Nosso Cordel

Nosso Cordel – Cordel: “O sertanejo que sonhava ser garçom” – João Rodrigues

–Nosso Cordel: “Coluna destinada a publicação de cordéis de escritores acima de 18 anos. Basta enviar para: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com (por favor, colocar as devidas identificações)”.
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O sertanejo que sonhava ser garçom

Naqueles anos difíceis
Que a caneta era a enxada
O sofá era chão duro
Não se tinha água gelada
Bebia água na cabaça
Nem ligava pra desgraça
E dando duro na lida
Levantava com o arrebol
Ralava de sol a sol
Achando graça da vida.

Já estava embrutecido
Da pobreza no sertão
As duas mãos calejadas
Pra mode ganhar o pão
Trabalhava o mês inteiro
Nem via a cor do dinheiro
Pensei em mudar a sorte
Arrumei uma passagem
Preparei minha bagagem
Resolvi deixar o Norte.

Nunca ti’a entrado em ônibus
Nem visto a grande cidade
Era só mais um matuto
Inda na flor da idade
Com a mala cheia de sonho
E um desejo medonho
De mudar o meu destino
E apesar de tantos ais
Tava deixando pra trás
Minha vida de menino.

Até que um dia cheguei
Por este mundão afora
Parecia um burro brabo
Castigado de espora
Era um mundaréu de gente
Um povo tão diferente
De distinto linguajar

Era um chiado danado
E um falar complicado
Que nunca aprendi falar.
“Zezin”, disse meu irmão,
“De amenhã em diante
Você vai é trabaiá

Num bonito restaurante
Tem sombra e água gelada
Carne cozida e assada…”
E fez lá um tra-tra-trá
Que eu fiquei foi animado
Passei a noite acordado
Pensando em ir trabalhar.

Quando por lá eu cheguei
Ao chefe me apresentou
Disse: menino vem cá
Pra cozinha me levou.
Mas era tanta comida
Carne assada e cozida
Que até me admirei
Eu comi que passei mal
Depois me deram um avental
E a trabalhar comecei.

Comecei lavando prato
Garfo, colher e travessa
Pensei mi’a Nossa Senhora
Quando é que vou sair dessa!
E quanto mais eu lavava
Mais louça suja chegava
Eu mi vi nas amarelas
Quando acabei de lavar
Ouvi o chefe gritar:
“Zezin, me lava as panelas!”

Quando cheguei lá no tanque
Tinha cada panelão
Que cabia eu todo dentro
Meti bucha com sabão
E lá se vinha assadeira
Mais panela, cuscuzeira
De repente o chefe grita:
“Zezin, lave só mais essa
E corre aqui, se apressa,
Prepare batata frita!”

Quando a noite terminou
Eu já bastante cansado
Pensei em sentar um pouco
Pois vi o chefe assentado
Ele disse: “Sente não!
Falta inda limpar o chão
Depois vá lavar o banheiro.”
Saí andando calado
Disse um cabra do meu lado:
“Isso é o Rio de Janeiro!”

Depois de muito ralar
Me passaram pra garçom
Eu disse comigo mesmo
“Agora o negócio é bom!”
De paletó e gravata
No salão, servindo a nata
Social da Zona Sul
Nem lembrava do sertão
Quando almoçava feijão
E à noite jantava angu.

Cabelo cortado curto
Unha feita, barbeado
Sapato preto, brilhando
E um paletó engomado
Me senti todo importante
Me achando muito elegante
Num sabia nem andar
Chamei um garçom do Crato
E disse: “Bate um retrato
Pra eu mandar pro Ceará.”

Começou o movimento
E foi chegando freguês
Sentou-se na minha mesa
Um povo falando inglês
My friend, how are you?
Hi, nice too meet you
Give me one beer.
E ao chefe fui falar
Bia lá no Ceará
É apelido de Maria.

“O gringo pediu cerveja”,
Disse o maitre já zangado.
“Vamo, tira o pé do chão
Eita garçom enrolado!”
E começou a pauleira
Me deu logo u’a suadeira
Chega o suor escorria
Eu tava todo atolado
E os gringos num bodejado:
“Please, waiter, come here!”

Fecha conta e abre conta
Limpa mesa, faz pedido
Quando deu lá pra meia-noite
Eu tava todo perdido
Se alguém me pedia café
Eu anotava filé
Era aquela confusão
Se alguém me pedia cerveja
Eu trazia era cereja
Eita enrolada do cão!

Foi cliente reclamando
Outros saíam sem pagar
Feito cego em tiroteio
Eu ia pra lá e pra cá
“Please, waiter, come here
Give me another beer”
Só se via gringo dizer
Eu ali todo atolado
Parecia um abestado
Sem saber o que fazer.

Quando a noite terminou
O chefe foi me falar:
“Vai ter que pagar as conta
Que ficaram sem cobrar!”
Foi feia a situação
Fiquei sem nem um tostão
Pensei: “De hoje em diante
Nem que a fome me arrebente
Num passo mais nem na frente
Da praga dum restaurante!”
João Rodrigues

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Redação

A Revista "Entre Poetas & Poesias" surgiu para divulgar a arte e a cultura em São Gonçalo e Região. Um projeto criado e coordenado pelo professor Renato Cardoso, que junto a 26 colunistas, irá proporcionar um espaço agradável de pura arte. Contatos WhatsApp: (21) 994736353 Facebook: facebook.com/revistaentrepoetasepoesias Email: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com.br

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