Que a Arte machuque!
Em tempos em que nós nos acostumamos a experimentar doses diárias de distopias, há que se perguntar qual o espaço para o discurso da Arte como algo ameno. Das páginas dos livros, em uma breve pesquisa no Google, sempre saltam pássaros, o sinônimo liberdade combina perfeitamente com qualquer coisa que tenha a ver com leitura e imaginação, dizem todos.
Mas a Arte também é expressão de inquietação interior e muitas vezes vem regada a fortes doses de ansiedade e muitas outras patologias. O livro não se abre em pássaros ao lermos Dostoiévski, mas sim são nossas angústias e inquietações que desabrocham em cada passo de Raskólnikov. São Petesburgo não é uma cidade iluminada com pessoas atiradas aos parques com belos livros nas mãos, indicados por jovens blogueiras.
Em tempos de pandemia, ameaça nuclear, mudanças climáticas e ataques à democracia, eu fico com os versos da poeta soviética Anna Akhmátova, em seu poema O veredicto, de 1939:
E a pétrea palavra caiu
sobre o meu peito ainda vivo.
Pouco importa: estava pronta.
Dou um jeito de aguentar.
Hoje, tenho muito o que fazer:
devo matar a memória até o fim.
Minha alma vai ter de virar pedra.
Terei de reaprender a viver.
Senão… o ardente ruído do verão
é como uma festa debaixo da janela.
Há muito tempo eu esperava
por este dia brilhante, esta casa vazia.
A Arte, muitas vezes, estabelece diálogo pela dor, pela exclusão, pelo espelhamento que ela pode dar aos nossos mais secretos demônios. É preciso demonizar a Arte.
Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/illustrations/agressão-vergonha-sofrendo-487274/