Cristiano Fretta

Cinco escritores com quem eu gostaria de conversar. Parte II – Fernando Pessoa.

Fernando Pessoa

Para conversar com o mestre português eu escolheria o Gambrinus, um dos mais tradicionais – e o mais antigo – restaurante aqui de Porto Alegre, localizado no Mercado Público da capital e especializado em pratos portugueses e frutos do mar. Talvez esse fosse o local em que Pessoa pudesse se sentir mais próximo à sua cosmopolita Lisboa dos anos 20.

Eu chegaria, de propósito, um pouco atrasado, apenas para poder contemplá-lo já sentado à mesa me esperando, vestindo um terno meio velho, uma garrafa de vinho pela metade, os olhos curiosos, seu inconfundível bigode, seu chapéu. Ele daria um discreto sorriso ao me ver. Então eu entraria no restaurante, me aproximaria do poeta, puxaria a cadeira e tentaria me controlar para não perguntar com qual personalidade literária eu estava falando.

Eu o imagino como um homem tímido e nervoso, sempre à beira de um rompimento, à espreita de um ataque de nervos capaz de fazê-lo se levantar e ir embora subitamente, me deixando sozinho antes mesmo de nossos bolinhos de bacalhau chegar. Eu tomaria vinho com ele e falaria sobre a minha vontade de conhecer Lisboa e o quanto Porto Alegre ainda precisa conhecer a sua relação com os portugueses, na medida em que fomos colonizados pelos açorianos e pouco ou quase nada homenageamos os ilhéus, a não ser por algumas obras de arte de estética duvidosa espalhadas pela cidade. Pularíamos velozmente de um assunto para o outro: política, poesia, estética, culinária etc.

Ficaríamos, claro, meio bêbados e eu falaria para Pessoa sobre os poetas que circularam pela cidade, especialmente dos simbolistas do início do século XX e suas relações com as praças de Porto Alegre. A seguir, pagada a conta, sairíamos pelo Centro. Eu apontaria para o Chalé da Praça Quinze, falaria sobre todos os escritores que ali já tomaram um chope. Depois passaríamos pela frente da Prefeitura. Ele me falaria, com a voz já afetada pelo álcool, sobre como era caminhar pelo centro de Lisboa. No entanto, quando eu olhasse para o lado, Fernando Pessoa simplesmente teria sumido.

 

Fonte da imagem: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/32/Pessoa_chapeu.jpg

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Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

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