Valdeci Santana

Os pacientes girassóis

Os pacientes girassóis.

Os pacientes girassóis intrigam minha impaciência.

Nem sei quantas vezes pensei em dizimá-los do meu jardim. Mas, quanto mais eu os espreito da minha janela, mais sinto brotar a convicção de que nossa existência está intrinsecamente conectada.

Pacientes são os girassóis que florescem nos canteiros entumecidos pela frieza do orvalho, acariciados pela suavidade da brisa, que lhes toca a existência com o frescor de suas carícias. Se soubessem da brevidade da vida, talvez, não se dedicassem tanto a cortejar o sol, tais quais almas miseráveis, incrustradas na terra, reverenciando solenemente o grande príncipe em sua carruagem de fogo.

É necessária a paciência dos girassóis, para compreender a beleza do sol. Os poetas são impacientes e se agarram à beleza prateada da lua.

Somente os graciosos beija-flores trazem a afetuosidade de uma visita aos canteiros e testemunham o desleixo que se agrava em torno de seus caules. Eu nunca soube quais texturas possuem aqueles girassóis, pois, tal qual um autêntico desinteressado, nunca me ajoelhei ao lado dela, enquanto ela, cuidadosa, tecia suas caricias naquelas pétalas. Não sei que aroma exala dos girassóis. E é bem certo que se eu os inalasse agora, obteria a dolorosa podridão da saudade.

Os pacientes girassóis zombam da impaciência que arrasta meu sedentarismo para a calçada, toda vez que um vulto semelhante ao dela se aproxima do portão. E testemunham calados os passos desesperançados que arrastam meu desânimo, e afunda minha solidão na poltrona.

Pacientes são os girassóis, que não se desesperam quando o véu negro da noite encobre o sol, cientes de que ele voltará, pois, sua existência depende daquela luz. Sabem mutuamente que estão perpetuamente atados na necessidade um do outro.

Ela compreendia os girassóis, mas, parece não conhecer esta matéria de seres feitos uns para os outros, pois, quando as frias noites se dissipam com a claridade do dia, não a vejo em minha porta, para irradiar meu dia, trazer brilho à minha existência.

Cultivados e absolutamente entupidos de energia solar, os pacientes girassóis se preparam para o seu declínio. Logo serão pequenos e secos galhinhos retesados consumidos pelo próprio canteiro onde resplandeceram. Já estão satisfeitos pelo néctar que recebeu e que compartilhou com quem os visitou. E é chegada a hora do meu desespero, pois, até os pacientes girassóis morrem sozinhos!

fonte da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/mulher-com-chapeu-de-palha-em-pe-na-cama-de-girassois-1263985/:

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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