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Você, Escritor! – Conto: “O vestido roxo, de bolinhas amarelas” – Claudia Rato

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Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/fantasia-mulher-floresta-garota-6193818/

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O vestido roxo, de bolinhas amarelas
Claudia Rato

Dona Darcila morreu. Sim, agora Josiovaldo só tem a esposa Luzinalva nesta vida, já que não terá mais o colo da mãe, a senhorinha dos cabelos branquinhos feito algodão e sem papas na língua. Apesar da acidez de quem dizia o que pensava, doesse a quem quer que fosse, o humor, muitas vezes mordaz da velhota, atraía a todos, incluindo o porteiro do prédio onde ela morava. Sinvaldo adorava passar horas e horas ouvindo os causos da simpática idosa. Queria encontrar a senhora, era só descer no prédio que lá estavam os dois, rindo, e o rapaz, distraído, deixando todo mundo entrar sem sequer se identificar.

O assunto preferido de Darcila era a nora. Sinvaldo era todo ouvido, sabia de tudo da mulher do filho da anciã, só o que a dona não sabia é que ele tinha um caso com a própria e contava tudo para a amada, que sempre se passou por uma norinha dócil e meiga, puro fingimento, de ambas.

Mas, agora, a farsa acabou. A velha se foi.

Abalado, o filho pediu para que a esposa providenciasse uma roupa bem bonita para a mãe usar em sua despedida fúnebre. Abriu a carteira e deu mil reais à mulher para comprar um bom tecido para vestir bem a defunta.

_Ela merece! Melhor sogra você nunca mais terá! – disse o moço, desolado.

_Claro, meu amor, nunca mais terei! – concordou a moçoila, sem antes arregalar os olhos ao ver nota sobre nota, dinheiro que não via desde seu último décimo terceiro recebido quase um ano atrás.

A tentação falou mais alto e assim que Luzinalva saiu rumo ao tal do pano derradeiro da sogra falsa e fofoqueira, atravessou a rua e pôs-se a entrar numa famosa loja de grife. Experimentou alguns modelos e saiu com duas sacolas de presente, pra ela, claro.

O pouco dinheiro que lhe restou mal dava para comprar meio metro de tecido, quem diria toda a parafernália para adornar a velha morta.

Sem pestanejar, a nora foi até um brechó simples, de roupas usadas cheirando a naftalina e de custo irrisório e lá se deparou com opções “louváveis”, segundo sua concepção, até escolher um traje, que parecia minguado por demais, mas ainda assim resolveu levar para dar um ponto final nessa história de ser estilista de gente com o pé na cova.

_ Vamos, sua velha fedorenta, veste essa joça, vai – resmungava a nora, enquanto tentava vestir a sogra, mas a defunta era maior que a encomenda e a mulher teve que voltar à loja e levar outra velharia.

Mal sabia Luzinalva, mas no dia anterior, logo após o falecimento da senhorinha, o esposo tratou de se desfazer de tudo o que era da mãe, incluindo suas vestimentas, doando seus pertences a um brechó, o mesmo das roupas mal cheirosas.

Assim que a moça retornou à loja, se deparou com um vestido roxo de bolinhas amarelas.

_ É a cara da velhona! Mocinha, vou levar, nem precisa embrulhar, joga aqui na bolsa.

Luzinalva fez a troca e voltou para vestir, a contragosto, a sogrinha para o seu funeral.

Assim que o filho avistou a mãe no caixão, arrumada com aquele vestido roxo de bolinhas amarelas, soluçou de tanto chorar, tamanha emoção ao se deparar com um vestido igualzinho ao que dona Darcila tinha.

Josivaldo disse à Lusinalva que ambas se conectavam, mesmo com a mãe já em outra dimensão. Pois aquele era o vestido preferido de sua genitora, mas o que ela tinha já estava velho, rasgado, sem graça.

_ Ela sempre me disse que quando morresse gostaria de usar esse vestido – comentou o marido, enquanto a esposa se arrepiava toda, de cabo a rabo.

_ Mas claro que eu jamais faria isso com a minha mamãe querida. Imagine ela, toda vaidosa, sair de cena com uma roupa tão velinha. E você, meu amor, conseguiu comprar um vestido idêntico ao que ela amava e satisfazer o seu último desejo. Como pode tanto amor – disse, orgulhoso, o amado, frente à mulher, paralisada feito estátua.

No dia seguinte, numa caminhada matinal, lá estava Josiovaldo e Luzinalva, vestida feito madama. O casal se depara com a vendedora do brechó, que pergunta para a moça se o vestido roxo de bolinhas amarelas serviu na sogra.

Josiovaldo reconhece a mulher, a mesma que comprou dele o vestido velho da mãe, roxo, rasgado, de bolinhas amarelas.

_ Josiovaldo, meu amor, não é o que você está pensando, eu posso explicar. Josiovaldo… Me escuta, não é nada disso…Josiovaldo, Josiovaldôooooo, me espeeeeeeraaaa.

Sem olhar para trás, o órfão de dona Darcila seguiu em direção ao prédio, abraçou o porteiro, que consolou por horas o pobre rapaz.

*Claudia Rato é jornalista e autora do livro de contos Pra mim você morreu!

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Redação

A Revista "Entre Poetas & Poesias" surgiu para divulgar a arte e a cultura em São Gonçalo e Região. Um projeto criado e coordenado pelo professor Renato Cardoso, que junto a 26 colunistas, irá proporcionar um espaço agradável de pura arte. Contatos WhatsApp: (21) 994736353 Facebook: facebook.com/revistaentrepoetasepoesias Email: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com.br

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