Carina Lessa

Enquanto a casa não se organiza: Fertilização in vitro

 

Não, não, meu caro amigo, Deus que entenda os políticos! Data de uns quinze anos a conversa que se teve com aquela mulher. Fora um momento constrangedor, a coitada via-se em profundo desamparo, ainda que convidada na casa do amigo. O fato é que danou a dizer que era menosprezada, que devia mesmo partir. Meio constrangido com a declaração, meu personagem não voltou nunca mais, que orientações recebemos de nós mesmos, o trabalho é solitário e tenho dito. Tudo isso lembrei porque, hoje em dia, há muitas mulheres que nos ameaçam com o sangue que corre entre as pernas e fico olhando para as partes baixas. Investigo para saber se vai tudo no lugar, se governar vai no corpo todo, se os neurônios vão mesmo para o estômago (é o que dizem). Qual foi a minha surpresa quando vi que as causas estavam ganhas (anos depois) com a escrita de uns versinhos e não entendi nada, meu personagem, menos ainda. Perfídia vai, perfídia vem, melhor que caminhem as narrativas, porque a voz paga com a língua e, ao que tudo indica, a tal moça não perde o hábito de cacarejar pelas costas. Eu que não ficarei com os encargos da sua maldade.

Se o mundo não muda ou dá mil voltas, não se pode afirmar, mas temos sempre de dizer o mais do mesmo. O cometa Halley vai chegando e é o único visível a olho nu!!! Tapem os ouvidos porque isso só se vivencia duas vezes na vida humana. Há de se entender a riqueza de 2023, essa bola de água congelada não nos visita há quase quarenta anos e nos é visível em momento em que atinge seu afélio, a esperança é que, em 2061, os seres humanos estejam preparados na Terra para serem mais brilhantes no céu noturno junto com sua poeira.

Infelizmente, esta semana dei com criatura que o inferno costuma nos enviar para anuviar os homens e me dissera que Barthes era um materialista. Ando afeito a trocadilhos, não evito este: “Barthes não foi materialista, mas se tornou alvo de contrabandista”. Sabia eu lá que o que era bom se tornaria ruim?

– Mas, senhor, Lucien Goldmann sabia a Sartre e a Baudelaire…

– Sartre, meu caro?

– Sim, Sartre…

– Penso que Barthes estava mesmo confuso e não imaginava os clichês contemporâneos. De modo que a consciência corporal do escritor caiu nas malhas da História e o parêntese fica para a crise psicanalítica. Deus me livre da reconciliação dessas tendências! O autobiografismo é coisa crítica nas possibilidades de representação. Você sabe o que é biografismo?

– Não, senhor.

– Vem da vida escrita, meu caro e, hoje em dia, se faz em redes. Os sociólogos que nos protejam.

 

Não fiquei muito tempo pensativo não. O principal motivo que me fez desenvolver essa conversa era ser educado para depois obter informações. Estava perdido no cenário político (logo não podia opinar em coisas comezinhas) e andava cultivando flores.

– Meu caro, onde encontro uma floricultura? Sou novo por aqui…

– Mas de quais flores o senhor gosta? O que procuras? – eu não me questionara.

– De todas as espécies, amigo.

Parece que, hoje, há ONGs até para resgates de flores, a pessoa não sabia. Nem quis acolher sua alma para o céu, asseverando fatos que não conhecia. A mesma vida de sempre. Teria ela como sabê-lo? Poderia até oferecer um arranjo em formato de workshop para me sentir nas tendências da moda, mas as flores andam mesmo no caminho do lixo e preciso encontrar outro destino. Logo, fiz-lhe notar os canteiros, estavam vazios, falo nisto sem quaisquer lágrimas. O remédio para dor de cabeça, que tomara pela manhã, já ia fazendo efeito e a pessoa me escutava com grande proveito. Pode ser mesmo que o Diabo tenha bebido pelas tabelas e Deus esteja com as pernas tortas, mas não tenho paciência para pensar nisso. Poderia até questionar sobre a procedência da Babilônia, se de fato caiu, se Roma é aqui, se realmente foi um evento abominável ou se nos cabe o riso nessa comédia de erros… Ia pensando tudo isso enquanto o canteiro caminhava vazio e me dei conta de que a pessoa ainda insistia em me acompanhar, vejam só, estava ao meu lado:

– Olhei no celular, vai dar sol em uma semana. – ela declarou.

 

(Imagem disponível em: https://pixabay.com/pt/illustrations/espa%c3%a7o-estrelas-cometa-astronomia-1486556/)

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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