Fabio Rodrigo

Galinha

Ela era idosa e estava nas últimas. O médico já a havia desenganado e lhe informara quanto à impossibilidade da cura de sua doença. Era só esperar o dia da partida. Apesar de bastante frágil, ela conversava com todos a sua volta. E comunicou a seus próximos que gostaria de realizar algo. Nem que este fosse o último de sua vida. Era um pedido que estava guardado em seu peito há muitos anos: queria comer galinha. Seus familiares se surpreenderam com o pedido, já que a carne de frango nunca faltou em seu cardápio. Mas o que ela queria mesmo era galinha. Daquelas que se criam no quintal e são abatidas para serem servidas no almoço.

Ela foi criada na roça, portanto a galinha de domingo era algo rotineiro em seu passado. Comer galinha seria reviver a época de sua infância, seu contato com seus pais e avós. Era a oportunidade de retornar a um tempo em que a família se reunia em volta da mesa para degustar de uma suculenta galinha caipira. Com o passar dos anos, o hábito se perdeu. Após seu casamento, veio morar na cidade. Vieram os filhos. Depois os netos. As novas gerações não entendem o quanto representa para ela o almoço de domingo. Precisava comer galinha.

Seus filhos providenciaram uma galinha. E se mobilizaram para fazer com que o prato lembrasse fielmente aquele que sua mãe comia quando era criança. Como não sabiam o processo de preparação, contrataram uma equipe de profissionais especializados para cuidar disso. Desde o abate até o banquete em cima da mesa.

Era domingo. Todos estavam reunidos para realizar o pedido da matriarca da família. Lá estavam seus filhos, noras, genros e netos. Um de seus filhos a conduziu em uma cadeira de rodas para junto da mesa. Finalmente estavam todos sentados para dar início ao almoço em família. No centro da mesa, estava a galinha. O visual do prato e o aroma saboroso atiçavam o paladar de cada um. Todos se serviram e se esbaldaram de comer galinha.

No dia seguinte, a idosa se sentiu mal e veio a óbito. A família ficou muito entristecida com a perda de sua matriarca. No entanto, estavam satisfeitos por saber que ela realizou o seu último desejo: comer galinha.

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Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

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