UM SIMPLES CUMPRIMENTO
Faz mais de18 anos que isso ocorreu: era aproximadamente uma hora da tarde, eu estava saindo do meu trabalho e fui surpreendida por uma daquelas chuvas de novembro que anunciam a mudança de estação. Caminhei apressada, porém com muito cuidado porque além de estar no sétimo mês de gestação; a rua não era asfaltada. Não quis esperar que o temporal passasse, pois a rua onde morava ficava alagada e eu seria obrigada a molhar meus pés na água suja.
Estava à beira da estrada principal para atravessar, quando um carro parou. O motorista falou, já abrindo a porta, com um sorriso:
– Entra professora!
Imediatamente coloquei meu cérebro para abrir o arquivo. “Meu aluno? De qual escola? Qual é o seu nome?” A última pergunta me incomodava mais! Entrei no automóvel agradecendo e tentei me secar com lenços de papel. Ele pegou minhas duas bolsas com cuidado, e as colocou no banco traseiro. Ainda muito sem jeito, eu olhava para o rapaz em busca do nome. O sorriso era familiar, mas de onde?
– A senhora vai para casa? Onde é? – indagou ligando o veículo.
Informei o bairro e ele disse que me deixaria em casa, pois também era o mesmo itinerário. Começou a falar sobre a rua que sempre enchia com as chuvas demoradas. Obtive, naquele instante, a certeza de que ele realmente conhecia o lugar. Eu não conseguia prestar muita atenção no assunto porque o meu principal objetivo naquele momento era lembrar o nome dele!
Não me contive. Resolvi sondar com algumas perguntas indiretas:
– Em que ano você terminou o Ensino Médio?
– Não terminei, não. – respondeu com um pouco de constrangimento.
– Ainda está cursando, então. Em qual escola?
– Eu parei de estudar com 13 anos, meu pai morreu e tive que trabalhar…
Entrei em uma guerra mental fazendo os possíveis cálculos! De acordo com a aparência, aquele rapaz não devia ter mais que 21 anos…
– Você sempre morou por aqui? – perguntei fazendo contas.
– Sempre morei. – respondeu com um certo orgulho.
Minha situação piorou. As contas não batiam, mesmo sob uma margem de erro!
– Você estudou comigo em qual escola? -questionei com angústia.
– Ah, não. Não estudei com a senhora, não. – afirmou com sorriso
– Como sabe que sou professora?
– Porque a senhora sempre passa por mim e me fala: “bom dia”, sorrindo! A oficina que eu trabalho é perto do seu colégio. Eu tô ali há mais de três anos, varro a calçada inteira todo dia, e ninguém de lá nem olha pra mim. Só a senhora mesmo que fala comigo! – sorriu novamente.
Também sorri aliviada com a minha memória. Como eu poderia ter esquecido o nome de um aluno?!
Antes de descer do carro quis saber o nome rapaz:
– É José Gentil, o mesmo do meu pai. Mas pode me chamar de Zeca!
Cheguei a minha casa alegre e pensativa. Ganhei uma carona de estranho, por causa de um “bom dia!”
Ivone Rosa