8ª edição – Crônica: “O Primeiro Carnaval” – Ivone Rosa
O PRIMEIRO CARNAVAL
Ivone Rosa
Não consigo precisar a minha idade na época, porém eu ainda acreditava em coisas fantásticas! Quando uma grande caixa chegou à minha casa, levada pelo meu pai, ouvi minha irmã mais velha dizer: “vai ficar linda nela!” Não sabia o porquê, mas não me deixaram ver o conteúdo da caixa.
Dentro de casa, as músicas no rádio não deixavam ninguém esquecer as efemérides. Só tocavam marchinhas, e minha mãe sabia de cor todas elas! Com o feriado prolongado e as várias brincadeiras com crianças vizinhas, acabei esquecendo de perguntar sobre a caixa. Até que chegou o dia para desvendar o mistério. Era uma fantasia de índio. Não era colorida como sempre admirei. Havia um cocar comprido e uma saiazinha de penas brancas. Era tudo branco!
O passeio já estava combinado com a minha madrinha, uma carnavalesca nata, sempre muito animada! Minhas duas irmãs começaram separar meu figurino. Meus cabelos eram longos e volumosos; gostaria de sair com eles soltos, minha mãe não autorizou. Fizeram então duas tranças e prenderam as pontas com fitas brancas. Queria calçar tênis…não deixaram! Fui de sandálias, rasteirinha, também branca. Imaginei que toda frustação seria compensada quando, finalmente, eu colocasse o batom. Ledo engano! “Criança não pode usar maquiagem!” Reprovou minha irmã do meio.
Minha madrinha levou: eu, meu irmão, suas duas filhas e um rapaz que era nosso vizinho. Com o calor, eu não estava nada confortável dentro daquelas penas brancas sobre uma camiseta também branca, acho que me tornei a pomba da paz, só faltava voar!
Durante um pequeno intervalo, fiquei admirando a decoração da rua. Quando tudo já estava repetitivo, inclusive as músicas, comecei a chutar latinhas espalhadas pelo chão, de repente senti uma espécie de picada. Foi um corte por uma latinha amassada. O sangue escorria entre os dedos sujando a sandália nova. Tentei esconder, mas já havia deixado um enorme rastro vermelho sobre os confetes e serpentinas no chão.
Meus amigos fizeram a delação. Pensei que minha madrinha fosse brigar comigo, ao contrário, ela ficou apavorada! Olhou ao redor a procura de uma farmácia, à distância viu que estava fechada. Entrou em um botequim e pediu no balcão: “Moço eu quero um copo da cachaça mais forte que tiver!” Todos os homens presentes a olharam com espanto! Ela explicou que era para um curativo, o dono do boteco nem se quer cobrou. Quando despejou a água—ardente (de fato faz jus ao nome) chorei com a bruta ardência! Ela retirou a fita de minhas tranças e amarrou o ferimento.
Assim, voltei para casa mancando com a certeza de que nem toda festa tem um final feliz!