Quem cuida da mãe?
Quando tudo lhe exige
Ela não tem forças
Mas se remonta para ser toda da cria
Quando tudo é diferente
Ela deixa de ser gente
Para ser somente o que precisa
Quando o mundo lhe pesa
Mesmo sentindo-se pequena
Mesmo estando indefesa
Ela renasce
Para ser o mundo de alguém
Mas quem dela cuida
Quando ela mais precisa também?
(Michelle Carvalho)
Já parou para pensar o que acontece quando a maternidade chega?
Ela vem caminhando, preparando o acontecimento em um gestar de ideias, ideais, conceitos, pré-conceitos, sentimentos tumultuados, emaranhados, tudo isso enquanto a barriga cresce.
Durante o gestar, a maternidade vem acompanhada de cuidado, zelo, carinho e paparicos para a mulher que carrega outra vida dentro de si, doando-se sem sentir, tendo seu sangue misturado ao do bebê em um mesclado completo. É o real invólucro de um, composto por dois corações pulsando ao mesmo tempo.
Neste período a mãe vem despedindo-se de quem sempre foi para tornar-se alguém que ela pensa que vai ser, e tudo isso diante de um completo desconhecido, que mesmo vivendo dentro dela por aproximadamente quarenta semanas, ela nunca viu.
Essa certeza de que vai tornar-se mãe num passe de mágica quando o bebê chegar a seus braços, fazendo-a forte, provedora, garantidora e poderosa esfacela-se com a fragilidade de tamanha mudança.
A única certeza é a de que nada mais será igual, nem seu corpo, nem suas noites, muito menos seu cotidiano. Inúmeras vezes no dia ela sente saudade dela mesma, do que ela fora no passado, da força e do empoderamento que tinha e que agora deveria ser maior e ainda mais vultoso, mas não é. Trata-se de uma dicotomia corrosiva e enclausurante, pois é um despedir-se de si querendo manter-se quem era, mas também amando tudo que está chegando e que não permite que seja como antes…
O que mais a mãe escuta é “você é forte!”, “você consegue!”, “não há tempo pra chorar ou pensar em você, agora o foco é o bebê!”, e ela se questiona em meio a um choro contido, engolido, desejando encolher-se do mundo que dita regras sobre ela apontando tudo que ela tem que fazer, mas especialmente podando-a de tudo que ela não tem mais direito… o de ser ela mesma, ou o que ela costumava ser.
Ela não é mais o que era, mas ainda não reconhece o que está se tornando de uma forma tão imediata. É como um desligar gradual de uma roupagem que não cabe mais, e um caminhar na ponta dos pés por um novo trilhar que não permite olhar para o que deixou, porque não há como retroagir. Nada mais será igual.
Tudo é um adaptar-se, mas ninguém entende isso, estranham quando a mãe não consegue levantar-se da cama para amamentar ou porque ainda não se sente segura para dar banho no recém nascido sozinha, cheia de dores e pós operada.
Já não bastasse não reconhecer-se nas roupas, no cabelo com restrições de coloração, de uso de produtos até mesmo na pele, ela sente-se sozinha carregando o mundo que ela é para aquele ser milagroso e lindo que brilha em seus braços.
Não há tempo para suas próprias coisas, seu cuidado, seu trabalho, sua independência e quando pensa nisso sente culpa, sente-se ingrata por ainda desejar-se como era, mesmo tendo o milagre da vida demonstrado em seu corpo e sempre ouve: “passa tão rápido!”
Realmente passa rápido o desenvolver do bebê, os olhares de amor que desejamos colocar num potinho e esperarmos que nunca cresçam. Passa rápido o acalento, a sensação de proteção, de que pode tudo para livrar seu filho do mal. Passa rápido também o tempo que ele cabe no colo… sim, isso é rápido demais…
O que não passa naquele tempo é ver sua feminilidade exaurida, o cansaço extremo, a falta de individualidade que jamais será a mesma para uma mãe. Um misto de tudo em ebulição sentindo-se pequena, indefesa e lutando para ser forte nas coisas mais simples, como tomar um banho repleta de dores no corpo que mal consegue se erguer nos primeiros dias após o parto, mas ainda assim, ela vai adiante porque agora ela é o mundo inteirinho daquele ser que acaba de chegar.
O puerpério não é só um momento em que os hormônios ainda estão desassossegados e tumultuados, é o momento em que cobram força de uma pessoa esgotada e, muitas vezes quando a mesma não resiste e chora de cansaço físico, mental, dor física pelo pós operatório, pela amamentação, medo, insegurança e incerteza, não obtém um afago e sim palavras que em nada impulsionam, embora quem diga pense estar motivando. É um estar se afogando em mar aberto e lutando para respirar em um mar revolto.
Ouvir: “Não há tempo para chorar!”, “Você agora é mãe, é isso mesmo!”, “Você é provedora agora!” não é nada motivacional quando o que mais se deseja é um abraço e um cuidado voltado para aquela que não sabe quem é ainda, pois está se tornando e se situando neste mundo inimaginável da maternidade.
Alguns dizem frases dolorosas porque esta também foi a sua realidade, outros são meros repetidores de uma sociedade que não sabe ou banaliza tamanhas dores físicas, mentais e emocionais de uma mãe.
A mãe gesta o bebê em seu ventre e é acolhida, tratada com todo cuidado. Quando o bebê nasce é a mãe que é gestada porque neste momento novo ela é embrião na vida de mãe, ela está em evolução. Seu desejo é encolher-se na posição fetal necessitando de alimento, afeto, afago pois sua fragilidade é imensa. Embora externamente sendo adulta e aparentando estar bem fisicamente, a mesma passou pelo parto e tudo que dele predispõe. Ela é crescida na idade e no tempo de vida, mas é um bebê no nascimento da mãe que se deu naquele momento.
Uma árvore não nasce forte, ela germina, se desenvolve para fornecer sombra e proteção. Da mesma forma a mãe precisa de acolhimento e amor para que sinta segurança, necessita de respeito a seus desejos e carinho para que possa desenvolver-se gradativamente no florescimento da maternidade diária pós-parto.
A natureza é tão perfeita que demonstra a exterogestação quando o bebê, mesmo fora do útero da mãe, ainda sente que ambos são um só. Esta exterogestação também é materna, pois a mãe também é feto iniciante neste mundo da maternidade, é o momento em que ambos se veem, se apresentam e, enquanto se conectam externamente, se desligam da forma anterior.
Ambos se desligam entre si, mas dão-se as mãos para serem um do outro e, mesmo quando o cuidado não vem de quem os cerca, o olhar, o toque e o amor do bebê acalenta as lágrimas de solidão da mulher que germina para o mundo materno abraçando o pequeno ser que se torna seu mundo quando ela também é o dele. Assim o vínculo de amor se perfaz, se fortalece diariamente e floresce a cada toque.
Ao visitar um bebê as pessoas têm por costume levar um presente para o pequeno que acaba de nascer e isso enche o coração dos pais de alegria, mas lembrem-se também de não julgarem os atos dos pais, seu modo de cuidar do bebê e suas dificuldades iniciais. Não tracem comparações maliciosas com outras pessoas que também tiveram bebês, não imponham formas de criação, não teçam comentários sobre a casa ou o corpo da mãe, ofereça disponibilidade de ajuda e, caso a ajuda seja aceita, pergunte como a dona da casa deseja que seja feito, pois o que ela mais precisa no momento é ser respeitada e não subjugada a um estado infantil e sem escolha.
Presenteie uma mãe recém-nascida com algo que a lembre de sua feminilidade, mesmo estando adormecida em meio a tudo que ela está vivendo em prol de algo maravilhoso que é o bebê. Um simples batom pode ser um excelente afago no ego para demonstrar que ali sempre existirá uma mulher.
Acalentar uma mãe, ouvi-la, mimá-la, dar palavras de conforto são essenciais em todos os momentos da vida dela, mas principalmente na transição inicial da maternidade, afinal, quem cuida da mãe?
Michelle Carvalho
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