Fala Juventude! Poema: “O Almoço das Palavras” – Daniel dos Santos Trindade
O Almoço das Palavras
Palavras são tão vazias quanto uma casca de noz.
Tão vazias quanto uma embalagem de bala descartada ao léu numa rua qualquer.
Podem te renovar tanto quanto uma frugal ceia de Natal.
Podem te decepcionar tanto quanto um pote de sorvete entupido de feijão.
Se quiserem, elas te salvam como o tropeiro ao mineiro.
Se quiserem, elas te condenam como um trago na cachaça.
Têm a leveza dum suspiro num expiro.
Têm o peso duma feijoada carregada.
São belas e aconchegantes como chocolate com abacate.
São vis e ardilosas como pimenta malagueta.
São ambíguas e agridoces como romeu e julieta.
São palavras.
Palavras, palavras, palavras
Todo dia nós nos relacionamos
Todo dia nós as comemos
Engolimos,
Cuspimos,
Provamos,
Comprovamos,
Preparamos,
e julgamos
Em sem-número de gostos e estilos diferentes.
Mas de que adianta?
Elas continuam tão vazias quanto dantes.
Tão vazias quanto casca de noz.
Lava-roupas
Eu só queria escrever
Mas não sei como
Os temas me ocorrem
Mas não se encaixam
Até este texto me traz problemas
Como o fechar de
uma bica
Minha torrente de ideias
é impedida
Que deveria escrever?
Que deveria confabular?
Que deveria relatar?
Que deveria refletir?
Deveria escrever?
Todos e muitos outros mais
assuntos
Rodam e rebolam
em minha cabeça
Como numa máquina de
Lavar
Botões deprimidos
Minha cabeça
é uma tristeza que só
Um muxoxozinho triste
que só sabe escrever
das desgraças
que consigo acontecem
Ou ainda criando-as
para si
montando uma coleção de
botões deprimidos
Por mais que tente
Não consegue tirar
Algo belo de
sua própria fonte
Por mais que tente
não consegue
Mas a coitada própria
Olvida-se
Olvida-se
e olvida-se uma vez
mais
Olvida-se de que
tem Alguém que por ela
zele
Alguém que a cuide
e a proteja
Alguém maior do que
o mundo
Alguém maior do que
os outros
Alguém maior do que
sua coleção
Alguém que a queira bem
de verdade
E não só a bajule
e a cuspa como um
chiclete sem gosto
Às vezes ela acha o melhor
se tornar o chiclete
Mas mais uma vez
acaba no lixo
Triste e usada para
um propósito sórdido
Que no final fez mal
a si mesma
Nessas horas finadas
Nessas horas vazias
Nessas horas levianas
Ela deve se levantar
Deve se levantar
e lembrar
Se lembrar
Dele
Lembrar de sua casa
Lembrar de sua alegria
Lembrar de sua paz
Ela deve se lembrar de que
nada existe fora dali
De que o resto é uma casca
velha
Cansada das velhas coisas
Ela deve se lembrar de que
Tudo se faz junto com
Ele
Tudo se alegra junto com
Ele
Tudo se acalma junto com
Ele
Tudo está junto com
Ele
Assim, ela finalmente
entenderá
que nada disso tudo
Importa
Talvez assim seus botões se
tornem felizes afinal.
Daniel dos Santos Trindade, que odeia ser chamado pelo primeiro sobrenome por ser muito comum, é só mais um caça-textos que procura relaxar enquanto se mete no mato por mais presas inspiradoras.
Parabéns, Daniel!
Eu, como seu fã, aguardo novos textos.
Grande abraço.