O orgulho da estupidez

O orgulho da estupidez

A vantagem de ser cronista é poder observar as pessoas, os lugares, os detalhes e a vida real como um todo num olhar distanciado. É perceber e ouvir histórias e narrá-las de forma fidedigna, mas acrescentando dentro delas o seu ponto de vista sem modificar o fato em si.

De um tempo para cá pessoas ignorantes (não estou falando sobre estudo), estúpidas e até mentirosas devido a vários acontecimentos em nossa sociedade foram elevadas a estados de sabichonas, tendo assim suas idiotices ganhado luz. Uma lástima, pois passaram a não ter vergonha de falar asneiras e ainda se orgulharem de expô-las. Esse show de horrores que vociferam sem filtro ou critério não há um pingo de compromisso com a verdade, mesmo assim encontra eco nos semelhantes, e se reconhecem.

Exemplos para corroborar o que digo não faltam. Ultimamente presenciamos inúmeros casos de fake news (que nada mais é que uma mentira inventada e difundida na internet), muitas dessas mentiras e falácias ditas por políticos que induzem aqueles que pensam de forma semelhante a desacreditar ou diminuir alguém ou um grupo. Nas últimas eleições vimos inúmeros religiosos difundirem essas mentiras na internet como a “Bíblia gay” e a “mamadeira com órgão sexual”, logo aquele que crê em pecado severo para a mentira foi o grande divulgador de tais invenções. Casos graves de pessoas que foram assassinadas e um exemplo foi a Vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco. No exato momento que muitos não sabiam de sua morte e era feita a perícia no local foram disparados fake news em massa de uma foto que supostamente seria a da Vereadora sentada no colo de um dos maiores traficantes do crime organizado carioca fazendo alusão de sua morte por ligação com o tráfico de drogas. Mal tinham ceifado a pessoa Marielle, na internet, cidadãos desprovidos de compaixão começavam o linchamento moral e o assassinato da Persona Marielle. Não bastava acabar com sua vida, mas também acabar com a sua reputação.

Outros exemplos contundentes são de pessoas sem estudo que começaram a refutar cientistas, ou acadêmicos com anos dedicados a busca e conhecimento de determinados assuntos, simplesmente por discordarem do resultado proposto. Em suas limitações acreditam que o certo é o que disse a tia do grupo de Whatssap da família, ou o que foi deliberado na mesa do bar. Assim foi a questão da eficácia das vacinas contra o COVID, que muitos chegaram a crer e disseminar que elas viriam com chip ou causavam AIDS em quem fosse vacinado. Infelizmente essas pessoas ganharam notoriedade por suas imbecilidades e encontraram milhares que se reconheceram nessa boçalidade e para piorar a situação elas se sentem orgulhosas dessa condição.

Um caso que ilustra toda essa calamidade da alma humana aconteceu recentemente perto de mim. Eu estava sentado num banco da Rodoviária na cidade de Niterói e uma senhora chegou com suas malas para sentar ao meu lado e de outra mulher de uns trinta anos que também estava sentada no mesmo banco. Já puxando conversa com a jovem compenetrada que lia um livro em silêncio despejou um monte de assuntos aleatórios em cima dela. Muito educadamente a leitora fechou o livro e com um sorriso amável passou a dar atenção ao monólogo desenvolvido por aquela senhora que ia de um assunto a outro sem finalizar o anterior. Quase uns cinco minutos depois disse de onde estava vindo e perguntou a mulher que pacientemente a escutava de onde era dando-lhe pela primeira vez a oportunidade de falar. Com muita tranqüilidade ao se comunicar disse que era missionária (não ouvi de qual religião) e que viajava por várias cidades. Nesse momento a senhora a interpelou e falou qual era a sua religião e começou a falar um monte de coisa que achava que era certo, inclusive dizendo que estava na Bíblia e tal. A mulher que a ouvia disse ser uma estudiosa da Bíblia e que, além disso, era formada em Filosofia e Teologia. Naquele momento a senhora pareceu se sentir ofendida e disse que era formada na “faculdade da vida” e que a mulher era muito jovem ainda para entender certas coisas emendando com algumas frases que disse ser bíblica. Até eu que sei pouco sobre o Livro Sagrado percebi que aquela senhora acreditava nas mentiras que contava como verdade absoluta. A missionária antevendo uma manifestação mais exacerbada da senhora despediu-se educadamente dizendo que estava na hora de seu ônibus partir. Após sua saída estranhamente a senhora se vangloriava falando alto e dando a entender que havia ganho uma batalha contra a missionária. Sentia-se superiora e com ar debochado. Havia nela uma sensação de competição com a missionária que estuda e dedica parte de sua vida ao conhecimento. Com suas verdades absolutas angariadas no achismo a senhora não admitiu que uma pessoa mais nova pudesse saber mais que ela, mesmo que fosse estudiosa do assunto.

Tempos difíceis onde precisamos defender o óbvio, lutar contra o obscurantismo e ter certeza que o ignorante atualmente se orgulha de expor sua condição e desmerecer o estudo alheio por pura incapacidade e vaidade.

 

Renatto D’Euthymio

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/ignor%c3%a2ncia-saber-lacuna-educacional-582607/

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Renatto D'Euthymio

Renatto D'Euthymio, carioca de Santa Tereza, dividindo residência entre São Gonçalo - RJ e a pacata e inspiradora, São José do Calçado no Estado do Espírito Santo. Estudante Rosacruz, técnico em Radiologia, flamenguista fanático e apaixonado pelas filhas Rannya e Rayanne. Cultiva desde criança uma paixão pelos livros e seus gênios. Autor do livro de poemas Solilóquio Antes e Depois da Forca (2020) e do livro de humor O Tabloide Jocoso (2021). Premiado em dezenas de concursos literários (Poesia, Crônica, Conto e Microconto), e publicado em Antologias e Coletâneas. É tão ligado à Literatura que de vez em quando não se contém e atreve-se a rabiscar algumas linhas.

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