Renato CardosoSOB O OLHAR DE UM PROFESSOR

Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#12 – Crônica: “Quando a caridade vira ensinamento” – Renato Cardoso

Série publicada aos domingos na Revista Entre Poetas & Poesias. Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Dois anos antes da pandemia, eu dava aula para dois terceiros anos em escolas diferentes, mas que tinham as mesmas características. Ambas eram turmas ótimas, participativas, porém cheias de conflitos internos. É normal as pessoas se agruparem desde que isso não gere embates. Era comum ver um grupo ser hostil com um outro.

Imagina você, leitor, como era entrar em ambientes assim. As turmas eram extremamente respeitosas com os professores, pelo menos comigo não tinha do que reclamar. Havia a necessidade de acabar ou atenuar a situação entre eles. Pesquisei algumas coisas que poderiam ser feitas, pedi permissão as coordenações, e realizei atividades (que serão contadas em outras oportunidades).

Dinâmica por dinâmica ia sendo realizada e o progresso era notório (não idealizava a união perfeita entre eles, mas que eles entendessem que o respeito tinha que existir). Durante as ações, pedi que fosse realizada uma campanha de arrecadação de alimentos, roupas e brinquedos. A culminância era levar as doações a algumas instituições de caridade, especialmente asilos e orfanatos.

Nesse ano em questão, levei as duas turmas ao Abrigo Cristo Redentor, situado no bairro da Estrela do Norte em São Gonçalo/RJ. A primeira turma, que disponibilizou, aproximadamente, 6 alunos foi a visita mais rápida, mas não menos significativa. Marcamos o dia, nos encontramos na escola e fomos com o ônibus da instituição.

Chegamos ao abrigo em questão de 20 minutos. Pegamos as doações e fui falar com a assistente social. A mesma nos recebeu e perguntou se queríamos fazer uma visita aos idosos (o que num primeiro momento não estava planejado). Aceitei na hora. Ela explicou que havia diferentes alas no local e que, dependendo da ala, eles veriam situações complicadas.

Orientei os alunos a seguirem a profissional e que só fizessem o que ela permitisse. Eles entraram, viram os idosos que estavam com a sanidade perfeita. Incentivei-os a conversar com os internos. Assim foi feito. Uma senhorinha chamou a atenção deles, e durante a conversa vi que lágrimas saiam dos olhos deles.

Eles perguntaram para ela como a mesma havia parado ali. A resposta chocou. Ela disse que a filha havia combinado com ela que ficaria ali somente para que pudesse resolver um problema no Centro da cidade. A filha nunca mais voltou e, na época, fazia 10 anos que não via a filha. Os seis começaram a chorar.

Depois que eles se recuperaram, foram para ala dos acamados. O quadro era mais chocante, pois viam os idosos que estavam bem adoentados. Eles se separaram e foram passar uma mensagem de esperança a cada um. A visita estava acabando. Durou um pouco mais de 30 minutos. O ônibus precisava voltar para escola para realizar a rota.

Reuni todos, agradeci a assistente social e fomos embora. No caminho, percebi que todos estavam bem introspectivos e um menino veio falar comigo e disse que nunca faria isso com seus pais e que não entendia o motivo pelo qual os filhos faziam isso. Vi que o que aconteceu com uma turma, poderia ser aprimorado para segunda.

Já com a segunda turma, organizei uma tarde de eventos, começando com um sarau e terminado com as visitas. A turma tinha cerca de 30 alunos e a maioria decidiu ir. Queriam viver o momento. Expliquei o quão emocionante poderia ser e que os mais sensíveis poderiam ficar chocados.

Marcamos o dia, pegamos alguns carros de aplicativo e fomos. Fiz todo o processo administrativo novamente. Pegamos as doações e fomos a assistente social. A profissional nos recebeu com um sorriso, falando que os idosos estavam esperando, ansiosos, pelo sarau. Ela nos conduziu até o local onde o evento ocorreria. Uma sala pequena. Um local destino a socialização dos internos.

Alguns idosos já nos esperavam. Pedi aos alunos que fossem buscar os que necessitavam de ajuda para locomoção. Assim foi feito. Todos presentes. Começamos o sarau, vários poemas foram declamados, palmas foram ouvidas. Conhecemos diversas histórias, a que mais nos chamou atenção foi o senhor que falava francês (senhor bem humorado e falante. Declamava poemas em francês).

Levamos cerca de 30 minutos com o sarau e começávamos a nos preparar para a visita aos internos. Chamei os alunos, expliquei que eles poderiam entrar ou não, deixei a critério deles. Pedi que eles pegassem as mensagens preparadas por eles. Entramos…

Assim como na primeira turma, fomos conversar com os idosos, que não tinham nenhum tipo de impossibilidade. Eles se dividiram e foram conhecer aqueles que eles estavam ansiosos para conhecer. As meninas levaram maquiagem, escovas e outras coisinhas para interagir com as senhoras. Entre uma maquiagem e outra, as conversas iam acontecendo.

Ficamos mais 30 minutos e fomos para ala dos acamados. Chegando lá, percebi que eles ficaram atônitos. Um menino saiu chorando do local e ficou do lado de fora pensando no que havia visto. Os que permaneceram, foram nas cabeceiras das camas e leram as mensagens que eles prepararam.

Eles conversaram com as enfermeiras, procurando saber a situação de cada um. Eles observaram que tinha uma senhora que estava toda maquiada. Eles foram até ela e buscaram uma conversa (o que aconteceu). A idosa disse que estava ansiosa para conhecê-los e que havia se maquiado para eles. Imagina a situação!

Alguns não aguentaram e choraram copiosamente. Algumas meninas pediram permissão a ela para que pudessem fazer um penteado bonito. Ela aceitou. O tempo estava acabando… Do lado de fora, os meninos jogavam sinuca com um interno, que contou para eles que foi escolha dele estar ali e que nos fins de semana ia para casa da filha.

O senhorzinho era muito simpático. Passou o Facebook dele para os garotos, que de pronto começaram a segui-lo. Eu só observava e coordenava, mas também me sentia tocado com tudo aquilo. Pensava em todo o ensinamento de vida que aqueles adolescentes estavam vivenciando.

O tempo acabou. Tínhamos que voltar para a escola. Reuni todos, agradecemos a todos os profissionais da instituição. Organizei os retornos. Muitos agradeceram por tudo que puderam viver e, ainda no local, eles já tentavam se organizar para voltar ali.

Eles finalmente perceberam que podiam trabalhar juntos e respeitosamente. Melhorias aconteceram…

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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