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Série: Quarenta, é sério? – Cap.#04 – Crônica: “A mente bagunçada” – Renato Cardoso

Série publicada quinzenalmente às sextas na Revista Entre Poetas & Poesias - Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Série: Quarenta, é sério? – Cap.#04 – Crônica: “A mente bagunçada” – Renato Cardoso

Almoçamos. Já era aproximadamente 1 da tarde. Não havia dormido ainda (confesso que a ansiedade era uma barreira enorme). Edmilson fez sua refeição e recebeu alta. A médica passou e o liberou. Ele me desejou boa sorte e disse que, assim como ele, também iria embora, que seria questão de dias.

Fiquei algumas horas sozinho. Na enfermaria onde estava só tinha vaga para duas pessoas, pois era bem pequena, quase um quarto particular. Sabia que a outra cama seria ocupada em breve, e assim foi, mas meu próximo parceiro de quarto merece uns capítulos exclusivos para ele.

Como eu estava de frente para onde as técnicas de enfermagem ficavam, pude ouvir muitas coisas. Sinceramente, escutei muita informação desnecessária. Eu estava lúcido, era ansioso. Escutei (não porque quis, mas porque elas falavam alto) uma delas perguntar por um internado de 35 anos, que estava no último plantão delas.

A notícia recebida por elas era que o mesmo havia falecido há dois dias. Imagine como minha cabeça ficou. Não só por ele ser mais novo que eu, mas pelo comentário de uma delas que disse: “Nossa, ele estava bem quando saímos”.

A movimentação era intensa durante o dia. No corredor, onde minha enfermaria estava, tinha outras duas, além da UTI. Pedi água a técnica de enfermagem e assim que ela trouxe, pedi a ela que assim que tivesse um tempinho, se ela poderia conversar comigo, pois estava de fato precisando.

Quando deu por volta das três da tarde, ela veio conversar. O movimento tinha dado uma queda e os que estavam acordados, estavam tomando o lanche da tarde. Procurei não demorar muito (confesso que falo muito às vezes).

Disse-a que estava com muito medo da piora, pois havia escutado o que elas conversaram há pouco (ela fez uma cara de que eu não deveria ter escutado). Procurou me tranquilizar. Disse-me que o principal era o controle do nível de oxigênio que vinha pelo cateter. O nível máximo era 15, o meu estava 8 quase 9.

Meu estado era estável, falava tranquilamente desde que estivesse com o oxigênio. A tosse diminuíra consideravelmente. Ela me prometeu que o fisioterapeuta voltaria para me ensinar alguns exercícios e que a psicóloga também viria conversar comigo.

Ela precisou ir, pois a movimentação começou a aumentar novamente. Cerca de 30 minutos depois, o fisioterapeuta voltou. Pediu para que me sentasse e me perguntou como estava. Respondi que estava melhorando e pronto para fazer o que fosse necessário para ir embora.

Ele sorriu, me disse que 50% da minha alta estava na determinação e vontade de ir embora. Ensinou-me três exercícios para o fortalecimento dos pulmões, me pedindo para fazê-lo sempre que possível. Como última recomendação, me pediu que dormisse somente de lado (o que foi respeitado imediatamente).

O fisioterapeuta foi embora, prometendo voltar no dia seguinte. A enfermeira entrou, trazendo os remédios para serem colocados no soro. Eu estava sentado na cama, fazendo os exercícios ensinados. Ela me parabenizou e me pediu que parasse um pouco.

Antes dela sair, solicitei que diminuísse o oxigênio de 8 para 4. Queria ver se aguentaria. Ela diminuiu e falou que qualquer a avisasse. O primeiro grande passo para melhora foi seguir todas as orientações dadas pelos profissionais do hospital.

Por volta das cinco da tarde, a psicóloga veio conversar comigo. A princípio, ela veio fazer uma chamada de vídeo para que eu pudesse falar com a minha esposa e conversar comigo por cerca de 15 minutos. Não foi assim que as coisas aconteceram. O tempo durou muito mais que somente 15 minutos.

Ela perguntou o número da minha esposa, pois no cadastro do hospital estava o meu e ninguém atendia (minha esposa havia desligado o aparelho). O número foi passado e a ligação feita. Minha esposa atendeu, percebi que estava apreensiva. Perguntou-me como estava.

Eu estava deitado, como me foi solicitado. Respondi que estava bem e perguntei pelas crianças (pedi para não as ver, pois não queria que elas me vissem daquele jeito). A ligação não durou mais que 5 minutos. Tranquilizei-a e falei que em breve estava de volta. O telefone foi desligado.

A psicóloga continuou comigo, procurando me acalma. Comecei a falar tudo que estava preso. Coloquei para fora toda ansiedade, angustia e medo. Ele me ouvia serenamente, me passava calma e tentava sempre me colocar para cima.

Passados quase 40 minutos, ela precisou ir, tinha outros pacientes para atender. Prometeu que um psicólogo sempre viria conversar comigo. Prometi que a procuraria após sair do hospital para continuar o atendimento (assim foi feito e será contado mais à frente).

A minha cabeça estava completamente bagunçada, mas um norte havia surgido. Às vezes precisamos ficar sozinhos para refletirmos sobre as coisas e, principalmente, sobre as pessoas. E por falar em pessoas, ao anoitecer, chega ao quarto meu segundo parceiro, um senhor gente boa demais, Seu Carlos.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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