LiterawebRenato CardosoSOB O OLHAR DE UM PROFESSOR

Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#09 – Crônica: “Nasce o DNA do professor” – Renato Cardoso

Série publicada aos domingos na Revista Entre Poetas & Poesias. Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#09 – Crônica: “Nasce o DNA do professor” – Renato Cardoso

Sempre fui uma pessoa calada, do tipo introspectiva mesmo. Quando aluno, pouco falava, embora conhecesse todos da sala. Todos acreditavam que profissionalmente assumiria algum cargo que não precisasse de tanta comunicação assim.

Terminei o ensino médio, saindo formado em técnico de edificações (fiz alguns trabalhos na área). Não era o que eu queria de fato, sentia que faltava algo. Não sabia o que era. No vestibular, tentava o curso de medicina.

Acreditava que queria ser, mas depois vi que era somente o que queriam por mim. Um belo dia, fui levado a fazer um curso de inglês e mal sabia que tudo mudaria a partir daí. Decidi tentar letras invés de medicina.

Quando iniciei a graduação em Letras na UERJ/FFP não imaginava assumir sala de aula. Pensava em trabalhar na área editorial, a internet estava começando a se popularizar. Era meado de 2004, o Orkut era um grande sucesso. Ter um blog era normal e eu tinha alguns.

Dois anos se passaram, a universidade estava indo tranquilamente, ainda desejava o ramo editorial até que o convite veio. Um professor me convidou para ingressar no grupo de estudos dele, de pronto aceitei (não sabia que isso iria mudar tudo).

No primeiro semestre de 2006, eu simplesmente ia as reuniões acompanhar tudo que acontecia. Era um grupo voltado para formação de professores ligados ao curso de língua inglesa da UERJ. Comecei a acompanhar e me interessar, escutava as histórias de quem já lecionava e tudo parecia fascinante.

Lembro-me perfeitamente de tudo… Era julho de 2006, quando recebemos um e-mail do nosso coordenador, perguntando se alguém estava interessado em assumir uma turma de adultos que estava sem professor e dando trabalho.

Fiquei olhando aquele e-mail por alguns minutos. A indecisão era enorme, não sabia se levava jeito para aquilo. O desafio era imenso e a responsabilidade também, mas, ao mesmo tempo, sabia que se corresse naquele momento, correia a vida toda.

Tomei coragem e respondi dizendo que me sentia apto. Aguardei. Não demorou muito e meu celular tocou (naquela época as pessoas ligavam para as outras, não havia WhatsApp), era meu coordenador. Ele me disse que ficara contente com a minha resposta e marcou uma reunião para me explicar tudo.

Findado o encontro, material entregue e instruções dadas, estava “pronto” para começar. Se não me falha a memória, a turma era numa quarta-feira a noite e a sala fazia parte da biblioteca da FFP. Como nota de observação: a turma era de adultos e eu era o mais novo de todos.

Aos 24 anos iniciava a profissão que me fez escrever esse livro. Lembro-me que estava ansioso e inseguro. Cheguei à UERJ, peguei meu material na xerox, subi as escadas e fui para sala. Alguns alunos já estava lá. Eles pensaram que eu era um aluno novo, mas perceberam que me encaminhei para mesa do professor, neste caso do “teacher”.

Cumprimentei a todos, organizei meu material, me apresentei. Observei, enquanto falava, os olhares desconfiados (alguns até de reprovação). Tempos depois, alguns deles me confessou que devido ser muito jovem, eles não acreditavam que daria certo.

Quando eu ia iniciar a aula, um deles levanta a mão, pede a palavra e solicita uma revisão, pois na semana seguinte eles teriam prova. Eu estava substituindo uma professora que teve que sair do projeto. Pensei em todo o tempo gasto com a organização daquela aula, mas julguei necessário ceder.

Guardei todas as folhas, iniciei a revisão. Acredito ter sido uma decisão correta e de repente foi o que começou a conquistá-los. Enquanto, eles copiavam, eu buscava conhece-los mais. Interagia, perguntava, criava laços.

Mal sabia que o DNA do professor estava aflorando, um novo eu surgia, mas descontraído, mais falante. Demorei para me acostumar com a palavra professor, não conseguia me enxergar como tal ainda.

Revisão foi dada e faltando alguns minutos para terminar a aula, decidi conversar com eles, deixei claro que eles poderiam contar comigo para o que precisassem. Eles sabiam que poderiam dizer abertamente sobre que gostaram ou não durante as aulas (isso fez toda a diferença).

A aula terminava por volta das 21h30, dispensei todos. Sentia que o clima começou de uma maneira e terminou de outra, estava mais leve. Uma relação de confiança mútua nascia. Antes de ir embora, analisei rapidamente o que acabara de acontecer.

Apaguei as luzes, fechei a sala e fui para casa. Estava feliz. O mosquitinho do magistério havia me picado. Começava a considerar a possibilidade de assumir o posto de professor como profissão.

O telefone tocou. Era meu coordenador querendo saber como tinha sido tudo e se a turma estava mais calma. Expliquei tudo a ele, como havia procedido, o mesmo concordou comigo e me desejou boa sorte ao longo da jornada.

Aquela turma foi muito importante para minha formação, pois eu tinha liberdade para testar diversas atividades com eles e sabia que o “feedback” deles era verdadeiro. Com um mês a atmosfera da sala era outra. Já havia a confiança.

Fiquei com eles cerca de 4 meses e, como retribuição ao trabalho realizado, uma bolsa de iniciação a docência me foi oferecida. Além de ministrar aulas, ia também trabalhar na produção de material didático, o que sempre me interessou muito.

Definitivamente, no final de 2006, já estava totalmente inserido na educação. Fiquei longos 5 anos no projeto, assumi o posto de auxiliar de coordenação. Vi parte dessa turma se formar (alguns pararam no meio do caminho) e muitos outros passaram por mim.

Ainda demoraria mais um ano para iniciar a vida profissional nas escolas (o que só aconteceu no ano letivo de 2008), mas isso é uma outra história.

______________________________________

Série publicada todos os domingo na Revista Entre Poetas & Poesias / Instagram: @professorrenatocardoso

Mostrar mais

Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo