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Suplemento Araçá – Vol.01 – nº01 – Dez./2021 – Contos – “O (L)EGO – Erick Bernardes

ISSN: 2764.3751

O (L)EGO
Erick Bernardes

Vamos brincar de deus! Convoco você meu amigo a esta empreitada.

Vamos brincar de Zeus! Poderosa divindade da matriz ocidental.

Nesta brincadeira façamos um trato, ou melhor, um pacto, entre mim e você; narrador e leitor.

Sou o personagem Ego e não vivo longe do centro. Detesto periferias, gosto mesmo de cada coisa em seu lugar, tudo certinho, separadinho, só penso em mim mesmo. Sou um pequeno construtor em processo lúdico seguindo a tradição. A proposta é a seguinte: você imagina milhares de blocos em minhas mãos, quadradinhos, a criarem um mundo de faz de contas, como se fossem pequenos dados lançados ao léu por um jogador de roletas qualquer.

O jogador canta o lance de dados, a ordem. O Ego, que sou Eu, regula a jogada, as posições das peças para você empilhar. Aí te vejo embaralhar tudo, leitor, trapacear para ganhar o inesperado presente. E ganha, não o presente intacto, mas a ideia, a experiência de ser e estar ali. Nunca ouviu o senso comum repetir que o importante é participar? Pois é, adoro o que todo mundo diz.

Com as ideias dos outros brinquei de deus pela primeira vez. Fiz uma cidade, dei registro, me transformaram em Deus maiúsculo. Se acredita que no princípio era o verbo, te enganaram, era o nome. Postei na entrada a alcunha legal, nomeei a cidade de Zeus e, em seguida, desconstruí. Tentei fazer de novo, repetir o feito. Saiu diferente. Diferente não, semelhante. Semelhante não, verossimilhante. Nomearam ficção.

Agora você entrou na jogada; sua vez.

Rodam a roleta de novo …

Em cada rodada o ciclo se repete, mas não exatamente como antes, pois a previsibilidade provoca em ti novas atuações. Enquanto a roleta movimenta, você monta e desmonta seu novo mundo, mas não percebe que tudo muda. Até que eu, personagem e narrador desta história, lhe chamo à interlocução — você não é personagem nem narrador, eu é que sou, não venha interferir, só a minha estética deve refletir!

Perceba então que os mínimos bloquinhos à sua disposição, aquelas pecinhas de encaixar umas nas outras, não pertencem ao quebra-cabeça que lhe dei. São só palavras, matéria-prima e filha do meu discurso, na mesa de brincadeira que será, daqui por diante, conhecida por outro alguém. Ouço agora a minha voz misturada à sua, para mais tarde revelar, a quem chegar até aqui, uma única verdade aceitável, aquela que acabei de encenar. Fostes tu decodificador, interlocutor. Um deus também, para mim, para você mesmo, e quem mais nesta armadilha quiser entrar. Mas sou autor, seu autor, tenho a autoridade de lhe mandar sair daqui, vá embora e chame por favor quem estiver aí fora. Você não enlouqueceu, só busca entreter-se. Quem chegou até aqui pode mergulhar.

Bem-vindo à transgressão de limites entre o real e o inventado! Sou o seu imaginário. Olé!

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Erick Bernardes é Mestre e Especialista em Estudos Literários pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro – FFP/UERJ.

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