Cristiano Fretta

Sobre palavras e sonhos

Sempre me fascinei pela ideia de que todas as noites nós sonhamos. Será que possível que nunca o sono seja um leve flanar pela não consciência e de que inevitavelmente todas as noites somos involuntariamente atirados em um mundo irreal e muitas vezes fantástico? E mais do que isso: lembramos apenas de uma pequena parcela de sonhos que temos em nossas vidas. Fiquei agora com uma imensa vontade de narrar alguns dos sonhos que mais me marcaram. Alguns deles ocorreram há muitos anos, e mesmo assim a sensação de estranheza que me provocaram ainda são para mim muito presentes. A verdade é que impossível contar o sonho para uma outra pessoa. O máximo que conseguiremos será dar uma breve ideia marginal e tangente daquilo que experienciamos no universo onírico.

É por isso que os sonhos são como as palavras. Uma letra, um som, uma sílaba jamais conseguirão traduzir com exatidão, por exemplo, o que é acordar em um domingo de manhã e se sentir triste. Em outras palavras, existe a palavra tristeza, mas não existe um vocábulo capaz de, ao juntar letras uma à outra, traduzir a sensação do que é a tristeza em um domingo. As palavras, nesse sentido, possuem uma natureza naturalmente oposta: ao mesmo tempo em que nomeiam algo, também a aprisionam à forma. Temos que ter fé que o nosso interlocutor vai acessar o nosso universo. A verdade é que o outro nunca acesso o nosso mundo. As palavras são apenas uma tentativa falha de tradução de um mundo subjetivo para um mundo de formas. Você agora, leitor, como está se sentindo? Consegue realmente me dizer? E se disser, tem certeza de que é isso mesmo?

Deve ser por isso que é mais fácil falar sobre a insônia do que sobre o sonho. Ou seja, é mais fácil compreender a sensação de sono do outro do que acessar o seu universo subjetivo e mágico. Passei, há anos, por um severo episódio de insônia. Quando eu, com os olhos caídos e vermelhos, chegava ao trabalho, meus colegas já diziam: “não dormiu de novo, né, Cristiano? Sei como é”. No entanto, nunca ninguém me olhou e disse: “sonhou de novo, né, Cristiano? Sei como é”.

 

Fonte da imagem: http://pixabay.com/pt/photos/balão-de-ar-quente-lago-balão-2411851/

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Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

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