Nosso Cordel

Nosso Cordel – “Retratos da Humanidade” – João Rodrigues

–Nosso Cordel: “Coluna destinada a publicação de cordéis de escritores acima de 18 anos. Basta enviar para: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com (por favor, colocar as devidas identificações)”.

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Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/preto-paisagem-luz-trevas-floresta-3151723/

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Retratos da Humanidade

Certa noite, na calçada
Eu vi despontar a lua
Toda banhada de prata
Sem pudor e toda nua
Aquilo foi um convite
Para passear na rua.

Saí bem despreocupado
Tanto quanto um vagabundo
Daqueles que nunca pensam
Que há problemas no mundo
Queria deixar de pensar
Ao menos por um segundo.

Com a noite me beijando
A lua por companhia
Com as estrelas sorrindo
O vento numa alegria
Sussurrava em meu ouvido
Verso, rima e poesia.

Feito uma folha no vento
Saí andando à vontade
Sem rumo, sem direção
Pelas ruas da cidade
Pois eu queria esquecer
Dos males da humanidade.

Passando sob a marquise
Vi, assentado no chão,
Um trapo imundo de homem
Pra mim estendeu a mão:
“Senhor, me dê um real,
Ou um pedaço de pão”.

O meu encanto quebrou-se
Voltei à realidade
Ao ver um resto de homem
Servo da necessidade
Sentado aos pés da miséria
Implorando caridade.

Um olhar de sofrimento
Nem parecia de humano
O corpo magro coberto
Com umas tiras de pano
Como se não fosse feito
Pelas mãos do Soberano.

Ao atender seu pedido
Segui minha caminhada
E para esquecer do caso
Apressei minha passada
A fim de curtir a noite
Entrando na madrugada.

Vi o Cruzeiro do Sul
Acenando pra Plutão
Com os olhos passeei
Por outra constelação
De repente, uma criança
Veio em minha direção.

De mais ou menos dez anos
Vinha aquela criatura
Pequena, frágil, sofrida
Vestida de amargura
Parecendo a própria fome
Pintada numa moldura.

Era um fantasma de gente
Tentou sorrir ao me ver
De alma triste, abatida,
Talvez de tanto sofrer
Com voz fraca, disse: “Tio,
Me dê algo pra comer.”

Olhei praquela criança
Era pra tá na escola
Ter uma cama e comida
Ter família, jogar bola…
Mas andava pelas ruas
Com fome, pedindo esmola.

A pena invadiu meu peito
Rasgando meu coração
Meti a mão no meu bolso
Arrastei algum tostão
Ficou bastante feliz
Quando estendi minha mão.

Olhou e me agradeceu
Sem nenhuma falsidade
Saiu pulando e correndo
Pelas ruas da cidade
Parecia ter encontrado
A própria felicidade.

Senti a alma chorando
Mas foi só por um momento
Procurei olhar pra lua
Sentir o canto do vento…
Afinal, fui passear…
Esquecer o sofrimento.

Depressa virei a página
Daquela história de dor
Queria ver outra ilustrada
Com mais brilho, luz e cor
Que tivesse sido escrita
Pela mão do próprio amor.

Nem tinha cicatrizado
Minha mais nova ferida
Vi uma moça encostada
Num poste da avenida
Vendendo seu próprio corpo
Pelas esquinas da vida.

Abrindo o botão da blusa
Rápido como um beija-flor
Veio em minha direção
Com um olhar sedutor
Me pedindo alguns reais
Por uma dose de amor.

Falei “Não”. Ela insistiu
Me pediu só um minuto
Tentando me convencer
Como um vendedor astuto
Expondo seu próprio corpo
Como se fosse um produto.

Sentindo que eu não queria
Depressa, foi se virando
Pois já tinha outro cliente
No pé do poste, esperando
Ali eu deixei a jovem
Parti de alma chorando.

Me lembrei de Madalena
Que fora mulher da vida
Mas teve sua salvação
Por sentir-se arrependida
Pedi a Deus que essa jovem
Um dia fosse redimida.

Quando cheguei mais adiante
Vi outra cena indecente
Um homem sendo xingado
De maneira prepotente
Só porque a cor do outro
Era da sua diferente.

Da boca daquele homem
Jorravam litros de fel
Senti que seu coração
Guardava um ódio cruel
Um veneno bem maior
Do que tem a cascavel.

Lamentei por esse homem
Ter tanto ódio e rancor
Como quem sente prazer
Agia com tanto furor
Apenas porque seu próximo
Divergia de sua cor.

Ver o mendigo e a criança
Nas ruas, partiu meu peito,
A mulher vendendo amor
Fiquei muito insatisfeito
Além do homem pisado
Pelos pés do preconceito.

Saí de cabeça baixa
Caminhando pensativo
Mais na frente vi um pai
Furioso e agressivo
Botando o filho pra fora
Porque era homoafetivo.

A mãe chorava num canto
Com o seu filho, agarrada
O marido, feito um bicho,
Vez em quando uma pancada
Ver o seu filho indo embora
Doía mais que a bofetada.

Com aquela triste cena
Fiquei ali, sem ação
Imóvel, mudo, tremendo
Completamente sem chão
Entrei na primeira igreja
Pra fazer uma oração.

Meus olhos não tinham brilho
Com o peito feito fel
Pensei: “A casa de Deus
É mais doce do que mel
Talvez aqui eu me livre
Deste mundo tão cruel.”

Mas foi ali que sofri
A pior decepção
Ao ver um “servo de Deus”
De Livro Santo na mão
Explorando a fé humana
E vendendo salvação.

Depois da cena que vi
Quase morro de desgosto
Naquele templo sagrado
Notei o pecado exposto
De vergonha, vi o Cristo
Escondendo o próprio rosto.

Era pra ser um passeio
Nas ruas da minha cidade
Mas voltei pra casa triste
Ao ver tanta impiedade
E fui dormir abraçado
Aos males da humanidade.

João Rodrigues

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Redação

A Revista "Entre Poetas & Poesias" surgiu para divulgar a arte e a cultura em São Gonçalo e Região. Um projeto criado e coordenado pelo professor Renato Cardoso, que junto a 26 colunistas, irá proporcionar um espaço agradável de pura arte. Contatos WhatsApp: (21) 994736353 Facebook: facebook.com/revistaentrepoetasepoesias Email: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com.br

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