Higienizar…somente as mãos?
O século XXI tem nos oferecido uma oferta incomensurável de fatos, hábitos ou pseudohábitos que nem nos contos e distopias mais histriônicos das mentes mais inanes poderiam ser criadas. E me faltariam linhas para descrever eficientemente todas as transformações nos comportamentos – muitas vezes regados a hipocrisia – que já caracterizam a miscelânea de tendências contraditórias que regem a presente geração que nasceu nos anos que deflagaram o segundo milênio…mas vamos tratar de um dos hábitos mais frugais de todos os tempos que, justamente na sua simplicidade, é uma das mais dignas de ser considerada quase uma espécie de panacéia: A higienização das mãos que está sendo tão veementemente pregada e ensinada por todos os veículos, autoridades e afins…
É isso aí, meu caro. Higienizar as mãos constantemente ganhou status de mantra. Nada contra. Na verdade, muito a favor! É um hábito que minha mãe outrora, desde meus tempos de tenra infância, já insistira em inserir na minha prática diária – e com sucesso, claro. Só o que eu não imaginava naquela aurora época é que perto de chegar ao meu qüinqüênio, haveria de ouvir da mídia diuturnamente, o martelar constante do lembrete tão básico de algo que deveria estar impregnado na prática humana: Lave as mãos, Lave as mãos, Lave as mãos! Coisas de ambiente considerado pandêmico.
Mas por que deveria eu destacar esse hábito nessa oportunidade? Simples: Tratando-se de um texto com requintes de incisividade contra o que há de mais impregnado no que tange a sujeira industrialmente produzida pelos meus parceiros humanos, me parece uma chance de ouro para surfar na crista dessa onda poluída de contradições para provocar uma agitação – tipo a de uma máquina de lavar – nas sinapses alheias. E lá vai a pergunta: Será que lavar as mãos é tão-somente, a única forma de higienização que precisamos fazer atualmente para a real autolimpeza?
Como já muito bem explicadinho pelos arautos do milênio, higienizar as mãos serve para nos livrar de micróbios que não vemos, mas que nos afetam, ou melhor, afetam a nossa saúde física, não é verdade? Então, pense: Tomar consciência disso não deveria nos ajudar a perceber que seria imperativo higienizarmos também – e prioritariamente – a nossa mente, nossos hábitos de leitura, nosso círculo social, nossa administração financeira, nossas emoções, nossos hábitos alimentares, nosso entretenimento, nossas palavras… e o mais importante: Nossa espiritualidade? Higienizar essas coisas significa remover muito lixo das nossas vidas. Limpeza de verdade.
Teríamos coragem para abrir a torneira da integridade e deixar a água da veracidade e o sabão da dignidade limparem a sujeira que nós mesmos persistimos em acumular? Certamente os micróbios que estão impregnados em nós e que, na maioria das vezes não conseguimos enxergar ( embora outros os vêem facilmente ), iriam embora, torrente abaixo… Liberdade de verdade.
Mas, isso sim, me parece utopia.
É…e é difícil encarar uma pia da consciência.
Realmente, parece que a maioria de nós aprendeu muito bem a lavar bem, mas mutio bem as mãos. Igualzinho a Pilatos.
E pra fechar a bica: A água da verdade por vezes é fervente. Outras vezes afiadamente gelada. Nunca morna, nunca temperada. E por isso foge-se do banho. A saída? Segundo o sistema, basta que se leve consigo um frasquinho de Álcool em Gel que estará tudo certo. Afinal, parece que a sensação é mais importante do que a essência. E isso é o que parece que está valendo. Não é?