Altamir Lopes

O chapéu e a Borboleta

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Passagem, de uns poucos anos atrás, que compartilho novamente, agora por meio desse distinto portal… Para pensar em termos da nossa capacidade de relacionamento humano

Estava eu, atendendo um telefonema enquanto saía do meu pequenino centro de treinamento quando, curioso, fitei um garotinho que aparentava uns 11 anos, parado, próximo a um ponto de ônibus (eram umas 20h), portando uma caixinha de sapatos cheia de pequenos artesanatos de croché. Ele, atento, logo percebeu minha curiosidade e num rápido ato de desbravamento comercial, logo me perguntou: “Não quer comprar um imã de geladeira, tio?”

Olhei mais atentamente para descobrir do que se tratava realmente o produto do rapazinho. Eram ímãs de geladeira, pequeninos, com várias cores, formatos e tamanhos. Florezinhas, sapatinhos, bonequinhos…Tudo com um imãzinho colado para que se os afixasse numa superfície de metal.

Terminei a ligação e passei a dar mais atenção ao garotinho. Mas agora parecia que a caixa já não era tão importante. “Qual é o seu nome?”Perguntei. Ele falou o nome do irmãozinho ao invés do dele e se corrigiu na mesma hora.
Falou também que sua mãe e irmã faziam aqueles artesanatos para que ele, ao vender durante o dia, pudesse levar algo para casa e comprar leite para o menininho.

A partir desse momento a minha garganta começou a dar nó. E a “secura” que nela se instaurava contrabalançava com a umidade que se fazia nos meus olhos.
“Garoto, você foi para a escola hoje ?”.
“Sim, tio, olha meu uniforme. eu saio da escola e só volto pra casa depois de vender tudo o que puder”
“Você tem quantos anos?”
“15”

Meu Deus. Lembrei do meu pai que teve uma infância tão dura quanto essa, vendendo nas ruas para ajudar numa casa humilde com 8 irmãos. Pensei no meu sobrinho, que até se parecia com ele e que amo tanto. Pensei na minha família e em tantas outras coisas enquanto continuava a ouvir o apelo do garoto para que eu comprasse seu produto.

Mas eu não deixava de pensar e odiar ainda mais esse maldito sistema. Pensei ainda mais no egoísmo, na imaturidade, nas atitudes idiotas das pessoas que se preocupam em tão somente cuidar dos seus umbigos, julgando outros sem conhecer realmente…Como nos preocupamos com coisas ridículas…Como desejo que esse sistema acabe.

Mas o meu amiguinho estava ali na minha frente. Outras coisas aconteceram depois disso, mas eu comprei dele um chapéu e uma borboleta.

Nos despedimos, mas depois tentei reencontrá-lo. Um dia o encontrarei. Tenho uma surpresa para ele.

Mas para me lembrar do fato e seguir até chegar tal dia, escrevi e venho remoendo um pequeno poema o qual compartilho com vocês, prezados amigos:

O chapéu e a borboleta

No espaço desse mundo
Mundo imundo, vagabundo
No tempo que explora o espaço
Na dureza e classe do aço
Me encontro tão sozinho
Tal qual indefeso menininho
A seguir com minha mesquinha rotina
Que em sintonia fina
Se encontra e segue no sistema
Que, poderosa, é tal qual um esquema
Do poderoso que humilha o menino
Mesmo fraco e pequenino
E que numa calçada ingrata
Defende a terrível e vil prata
Para dar de comer ao irmãozinho,
Que frágil, pequenininho 
Tem sua esperança num chapéu e numa borboleta
Trançadas num Croché meio cambeta.
São oferecidas a mim, pobre varão
Que vê nessa compra, uma razão
Para chorar, magoado por dentro
Um terrível sentimento
De terror, raiva, tristeza
Medo, confusão e avareza
Por não ter feito mais pelo garoto
Que, num sorriso maroto
Agradece e se despede
Pronto a atender a quem seu produto pede
e se afastando de mim, desaparece
e deixando um sentimento que me desvanece
e me faz escrever, sem parar essas linhas,
sem destino, sem razão, sem rinhas
mas cheias de raiva e gratidão
sentimentos que são pura confusão
e me deixam de repente, tonto
sem eira, nem beira, sem ponto
pensando em ir atrás do menininho
e pedir-lhe uma chance de lhe dar mais carinho
mais uma vez, de uma forma mais forte, de coração.
Pois, não sei, não sei a razão
mas parece que eu não fiz nada
além de fazer a compra “obrigada”
por levar o chapéu e a borboleta
trançadas num crochê cambeta
e segurá-las na mão
esperando uma solução
para a vida do menino andante
que, sujo, cansado, mas elegante
não parecia acreditar na esperança que lhe traz
pois para ele tanto faz
se conseguiria ou não fazer as suas vendinhas
mesmo poucas, pequenininhas
pois para ele a vida parecia tão frugal
que no mundo, tudo aquilo era natural…
estar andando, desde tempos idos
pelas calçadas e ruas cheias de perigos temidos
mas com uma certeza no coração
que o tempo lhe daria alguma razão
para entender por que o chapéu e a borboleta
trançados de um crochê cambeta
seriam suas únicas esperanças
que, para aquela singela criança
se traduzia na ação de um outro menino
que muito mais miserável que ele, lhe estendia a mão
e lhe oferecia um mísero tostão
por parte de sua infância perdida
que, cruel e de fé despida
lhe cobrava uma sentença de morte
deixando-o a própria sorte.
Que o chapéu e a borboleta
trançados de um crochê cambeta
Me sirvam de lembrete profundo
Que tudo o que há nesse mundo
Está recheado de injustiça e morte
donde nós, escravos dessa consorte
só podemos esperar um norte
de pura amargura e dor
muito ódio e falta de amor
ódio que nos consome e mata
ódio da desumanidade ingrata
que nos torna ainda mais miseráveis
injustos, cruéis e instáveis
fazendo nos esquecer do próximo, do irmão
e, exigindo nosso próprio galardão
rechear-nos de pura inglória, ganância e egoísmo
maldade, perversidade e racismo.
Ao meditar sobre tudo isso
Tenho que assumir um compromisso
De pensar em como sou abençoado
E partilhar essas bênçãos ao amigo fracassado
E distribuir, compartilhar, multiplicar o que tenho de bom
Gritando a todos, em alto e bom som
Não comprem apenas chapéus e borboletas
Trançados de um crochê cambeta
Mas vamos dar a Deus a nossa alma, nossa mente, o nosso coração
E só assim, receberemos a real e verdadeira salvação.

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Altamir Lopes

- Graduado em Gestão de Negócios, MBA em Gestão de Recursos Humanos, Orientador Educacional e de Carreira, Licenciando em Pedagogia e Pós-graduando em Neuropsicopedagogia. - Desenhista, formado pelo SENAC RJ. - Terapeuta Integrativo, Formado em Reflexoterapia, Quiropraxia e outras técnicas holísticas. - Palestrante, Instrutor de cursos gerenciais e Técnicos. - Mas acima de tudo, um servo do Deus vivente Jeová, Pai, marido e ser humano reflexivo. Na coluna que leva o meu nome, vamos nos encontrar para refletir sobre a arte da gestão de pessoas e relacionamentos. Nos meus textos, pretendo levantar questões e reflexões sobre a sociedade humana e seus meandros paradoxais e especialmente, a relação que cada um tem consigo mesmo por meio de textos em verso, prosa, crônicas, contos etc. E também publicarei na coluna RH - Resultados Humanos, artigos que tratam dos Resultados da ação Humana na História. Entrevistas com pessoas que fizeram acontecer e reflexões profundas também farão parte dessa coluna. De vez em quando, em quaisquer dessas colunas, vou publicar uma charge ou caricatura autoral...Espero que gostem.

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