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A DANÇARINA
Cláudio Duffrayer
Há uma luz que tremula.
O sangue não grita, não dessa vez, mas tece com seu calor, ao manchar o
cetim alvo e sedutor, uma canção de ninar.
O sangue não grita, não agora, vertido pelas feridas abertas por mãos
convictas e destemidas; minhas mãos.
Cobrindo a caixa, o cetim é rasgado pelos demônios que dela se libertam e
unem-se em coro e júbilo, celebrando minha coragem.
Eles me cercam.
Quantas vezes os tentei?
Deito-me.
Há uma luz que vacila.
Não é o calor do sangue ou a elegia que compomos que a atrai, mas
minha certeza, meu anseio, minha entrega.
Estou pronto.
Não me importo mais.
Assim ela move cem pés, mesclando-se ao escuro que se aproxima do
leito maculado, os braços e torço argênteos denunciando sua presença.
Não preciso resistir.
Não agora.
Nunca mais.
A voz do sangue enfraquece enquanto ela devora os demônios; só por
mim ela tem piedade, pois foi por mim evocada.
Então ela me alcança…
Ela sibila, acariciando com sua língua bifurcada minhas feridas.
Ela sibila, sorvendo fel e absinto.
Ela sibila…como o sangue antes de se calar.
Como é cálido seu abraço!
E como é fria minha carne, distorcida por um dom que nunca desejei.
Sou enroscado por seu longo corpo, sentindo seus seios contra minhas
costas, em transe tanto pela beleza de seu rosto quanto pela ternura em seus olhos.
O toque de seus lábios atende minha súplica.
Ela não é Xanadu.
Ela não é Shangri-la.
Ela é sonho e espírito.
Executora piedosa.
Dançarina no escuro.
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