Renato CardosoSOB O OLHAR DE UM PROFESSOR

Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#14 – Crônica: “Ansiedade, o outro lado da sala de aula” – Renato Cardoso

Série publicada aos domingos na Revista Entre Poetas & Poesias. Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

ANSIEDADE, O OUTRO LADO DA SALA DE AULA
Renato Cardoso

Não estava nos meus planos escrever sobre ansiedade nesta obra, mas durante a produção dela, isso se tornou imperativo. Tudo que aqui será relatado tem um tom confessional muito forte. Um lado que poucos se ligam, a relação: professor x ansiedade.

Eu sempre fui uma pessoa ansiosa (antes eu confundia com curiosidade, mas não era). Com o tempo, eu percebi que as coisas eram mais sérias do que eu pensava, que poderiam fugir do meu controle.

A ansiedade, para mim, sempre foi um sentimento (se assim podemos chamar) controlável. Sabia que tinha, tomava todos os cuidados para não ter, e, quando tinha, logo suprimia.

O tempo foi passando, as responsabilidades aumentando e a possibilidade de fuga diminuindo. Fugir era tudo que eu mais queria. E fugir foi tudo que eu não pude fazer (e não posso). Minha ansiedade está diretamente ligada ao meu senso de responsabilidade.

Era uma segunda-feira comum, eu tinha um dia completo para lecionar. Entre horários, entraria no sexto, no primeiro, no terceiro, no segundo, enfim eram 11 aulas em 11 turmas em dois turnos. Já estava acostumado ao ritmo, ou pelo menos achava que estava.

Estava vindo de um ano que já tinha sentido uma queda significativa no meu ritmo. Estava fazendo análise, tentando entender tudo que já estava, brandamente, acontecendo. A ansiedade já dava sinais, já tomava conta de mim. Percebi, tentei lutar sozinho e não consegui.

Voltando para aquela segunda… Eu entrei no sexto ano do Ensino Fundamental I e no terceiro ano do Ensino Médio, as turmas estavam quietas (não sei se eu estava demonstrando certa angústia, ou Deus estava no comando para não piorar o que já estava ruim).

O recreio chegou e não aguentei, desabei. Saí rapidamente da sala dos professores e fui para a direção, onde pude desabafar de fato. A garganta explodia o que a boca falava. O peito estava apertado e a cabeça voando. Fiquei dois tempos sem entrar em sala, não consegui.

Olhava para tudo que fiz, ao longo de dezessete anos de magistério, e não via sentido e nem valor. A vontade de desistir naquele momento era tão forte. Tudo que mais queria era ir para minha casa e de lá não sair mais. Porém sabia que se fizesse isso, não voltaria.

A mente entenderia que bastaria fazer isso e eu recuaria. Insisti, mesmo me mandando ir para casa, fiquei. As duas últimas aulas estavam para começar, segundo ano do Ensino Médio e sétimo ano do Ensino Fundamental.

As turmas perceberam o olhar distante, a tristeza e imediatamente me abraçaram. Foi um recorto, um acolhimento, mas não queria demonstrar fraqueza e me emocionar. Nunca me permiti errar (embora erre, pois sou um ser humano bem comum) e demonstrar fraqueza (logo eu que naquele momento estava muito fraco). Era soberba? Orgulho? Não! Era medo.

Ao longo dos anos, nós montamos estereótipos de nós mesmos, que não queremos destruir e um choro, naquele momento, poderia fazer isso. O professor calmo, centrado e brincalhão não poderia dar espaço a aquilo que se mostrava ali. Eu não me reconhecia, não queria ser aquilo. Rejeitava a ideia, que estava frágil. E me perguntava: por qual motivo? Resposta: não sabia.

O medo estava tomando conta de mim de uma maneira que não entendia. A boca estava seca, a mão trêmula e suada. O turno da tarde estava começando e as crianças entrando na quadra. Eu tinha que pegar a minha turma e ir para sala. Ao fundo via os pais, aquilo me deu pânico. Sentia-me exposto, sentia que a fraqueza poderia ser vista.

Peguei logo minha turminha e fui dar minha aula. Brinquei com as crianças, me dei a oportunidade de tentar extravasar. Deu certo naqueles minutos, mas a ansiedade que assolava minha cabeça não me deixava em paz. Isso! Queria ter paz!

Entrei nas outras turmas, tentei repetir tudo que havia feito na primeira. As professoras percebiam que estava bem longe de ser quem eu era. Aquilo me incomodava (lembra da fraqueza? Então…).

O dia terminou, entreguei as crianças da última turma aos pais (o mesmo sentimento da entrada tomou conta de mim). Fui liberado. O dia estava acabando e meu psicológico estava um tanto abalado. Procurava um meio de sair disso. A noite foi longa.

No dia seguinte, ao acordar, não consegui sair de casa. Travei e acabei ficando (mesmo lutando para ir). Avisei a escola para onde iria e busquei ajuda de um profissional. Consegui marcar uma psiquiatra no primeiro horário. Milagre!

A profissional foi maravilhosa e atenciosa. Ouviu-me e disse que estava com uma ansiedade severa e com possibilidade de depressão. Aquilo bateu como uma bomba na minha cabeça. Eu, depressivo?! Logo, eu?!

As medicações foram passadas e imediatamente tomadas. A razão, aos poucos, foi voltando. O entendimento do motivo pelo qual aquilo estava acontecendo, ainda não estava perfeito. Sugestões foram levantadas por mim mesmo.

Será que era o medo da rejeição? Afinal estava começando um novo ciclo. A aceitação sempre foi um problema para mim. Mesmo que não demonstrasse (e nunca demonstrei), a rejeição sempre me machucou muito.

Será que era o medo pelo medo? Será que era o medo da rotina? Será? Será? Enfim, muitos serás! As respostas não surgiam. A doutora mandou ficar 10 dias em casa. Fiquei dois (quem lê esse texto pode até me chamar de bobo, afinal quem não ia querer ficar em casa por 10 dias?) Preferi ficar com as crianças, era melhor! Precisava de distração. Ficar em casa no silêncio, que acontecia só do lado de fora da minha cabeça, não era o mais sábio a fazer.

Na quinta-feira fui trabalhar. Estava um pouco melhor, mas longe do que queria (naquele momento só queria estar bem). Trabalhei de uma maneira eficiente. Fiz o que tinha que ser feito. O personagem entrou em cena e deu conta do seu recado.

Dizem que por debaixo da maquiagem, todo palhaço é triste. Estava me sentindo assim… com uma maquiagem, que buscava manipular aquilo que estava sentindo. A cabeça pensava em mil coisas e entre elas: largar o magistério! Largar aquilo que sempre adorei fazer!

Não sei como concluir este texto, uma vez que embora escreva no passado, estou sentindo tudo descrito no presente. Essa história ainda não teve um fim e nem sei se terá até o final deste livro, mas caso tenha eu conto a vocês.

Uma coisa que preciso deixar claro aqui, nunca fui tão acolhido como neste momento. Óbvio que nem todo mundo entende, mas o que entenderam, me ajudaram muito. Vamos ver como tudo vai se desenrolar.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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