O pulmão do mundo
“Você já foi selvagem aqui uma vez. Não deixe que eles te domem.” – Isadora Duncan
Muitos diriam que Manaus está pronta para partir. A ferida esteve exposta durante séculos, décadas e o espetáculo finalmente fora aberto ao grande público. As cortinas pareciam fechadas e só se escutavam os ruídos. Agora, os passos ficaram apressados, é preciso respirar. Estão sufocados com as cortinas abertas? De repente o ar faltou não só aos brasileiros, mas também ao mundo todo. Necessidade de respiração artificial. A natureza cospe seres humanos. Cospe sem se preocupar com os respingos, pega primeiro em quem estiver por perto.
Respiradores, respiradores, rápido!
Mas quem esqueceu os respiradores?
– São muitos, são muitos… caiu no meu corpo. Não sei se limpo, se ignoro ou se há algum a abraçar primeiro.
Um homem, muito tranquilamente, declara:
– Respingaram no meu colo e eu não sei o que fazer.
Passa a mão com indiferença, sem olhar para si mesmo. Empasta a mão, esfrega na roupa suja e continua a cochilar.
A quem interessa os respiradores?
O rio Negro, a sétima arte em riquezas afluentes do mundo, passa indiferente. Reconhece o curso inevitável da vida e respira as palavras que nunca são as mesmas.
Entre os homens, reconstroem-se as reflexões visionárias de Mello Moraes Filho em Pátria Selvagem:
– O vale do Amazonas é o Josaphat das nações indígenas. Ali chegaram elas para morrer e lutam para viver. Diante da antropologia, como do anjo do juízo final, levantam-se as gerações mortas; e da reunião dos ossos, do colorido dos tegumentos, dos mitos, instituições e costumes, restaurar-se-á o grande exemplar das tribos, quase apagado pela natureza como uma palavra mal escrita que abre lugar à outra mais perfeita.
As peles escorreram. O corpo do homem perdeu o invólucro. Escancararam-se as feridas da Humanidade.
Em dança livre, cabelos e roupas esvoaçantes, pés descalços, a natureza impõe a necessidade de respirar. Wagner parece enunciar o concurso de canto aos pés do monte de Vênus.
Respiradores artificiais são o grito de misericórdia dos homens apátridas.
Heine inicia:
“Vocês, bons cristãos, não permitam que
o ardil de Satanás os enrede!
Eu canto a canção de Tannhauser para você,
Para alertar suas almas.”
Estou ficando sem ar. Vocês respiram?
Brincaram. Riram demais. Queriam lágrimas? Os espinhos ficaram afiados. São os vossos?
A cabeça sangra e uma rosa prefere nascer no asfalto.