Aconchego pra alma
Andei meio ausente de mim
Permeei caminhos que não são meus
Doando-me
Permitindo-me
Punindo-me
Esquecendo-me…
Desejo ser minha
Retomar o caminho interno
Retornar ao que me permite ser
Sem medo
Sem amargura
Sem crítica
Sem culpa
E no aconchego da alma
Ser minha…
(Michelle Carvalho)
O isolamento social nos permitiu dedicarmo-nos a tantas coisas não habituais, mas principalmente, olharmos para nós mesmos.
Crescemos na cultura do chicoteio da alma e da doação pelo outro sem pensarmos em nós mesmos porque, caso assim fizéssemos, seríamos “egoístas”.
Crescemos aprendendo a dividir, nos doar, mas temos que saber retornar para nós mesmos, olharmos para dentro, sabermos nossos limites e não somente sermos dos outros. Precisamos ser nossos antes de tudo!
Pensei muito nisso, refleti que precisava “ser minha”. Li isso em um livro recentemente e me questionei muito. Há quanto tempo não sou minha?
E você, tem sido de si mesmo?
Vamos aos lugares pelo outro, fazemos pelo outro, nos doamos pelo outro… Fazemos o que nos impõem desde pequenos, nos cobramos, trabalhamos, postamos para ganhar likes, conversamos… Quantas vezes fazemos isso realmente vivendo e amando o momento ou o fazemos apenas para suprir o que esperam de nós?
Reagimos na internet com gargalhadas, emojis e tantas vezes internamente não expressamos nenhum sentimento, então qual é o significado disso tudo?
Há quanto tempo não somos nossos, não vivemos e fazemos as coisas ao nosso tempo e não no tempo dos outros, no tempo das impaciências alheias?
Andamos muito ausentes de nós. Com absurda frequência estamos “fora de área ou desligados” para as nossas próprias necessidades. Estar consigo, cuidar de si, não se trata de um dia de beleza ou de cuidados com o cabelo, mas sim de cuidado com o que temos dentro de nós.
Escravizamo-nos às vontades alheias, esquecemo-nos da nossa vida, tornando opaco, ignorado e empoeirado em um quarto escuro o nosso próprio tempo.
Desejemos ser nossos, olharmos para dentro, redescobrirmo-nos, reencontrarmo-nos, acolhendo-nos atentamente sem tortura ou celeridade que não nos permite ver o momento presente…
Olhemo-nos não desejando ser igual ao que nos impõem os padrões das redes sociais que nos fazem querer mudar o que não pode ser mudado.
Aceitemos o que é nosso, cativo e único!
Admiremos com caridade o que realmente podemos fazer para sermos pessoas melhores e solucionarmos o que pode ser solucionado e aceitarmos com amor o que é parte de nós.
Tenhamos sabedoria para discernir o que pode ser mudado para o bem e o que tem de ser aceito com amor e benevolência por nós mesmos.
Dedicamo-nos aos outros, ao que os outros desejam, ao que nos impõem e ao que nos cerca de obrigações, não que isso não seja bom ou correto, afinal também temos obrigações e trabalho, mas isso não é tudo! Já dizia William Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra, do que sonha nossa vã filosofia.”
Decidir-se ser de si, retornar para si todos os dias não é uma tarefa fácil, pois vivemos marcados com anos de cascalhos e raízes arraigadas a não pensar nesse retorno a nós mesmos.
Não voltar a si e sempre olhar pra fora, com a falsa ideia de não nos tornarmos egoístas, acaba por inserir em nós uma carência interna, nos impulsiona a apreciar o que é alheio. É como viver somente debruçado e olhando pela janela, tomando ciência e sabendo resolver a vida alheia, mas sem saber das necessidades, rachaduras, sujeiras e inúmeras belezas aconchegantes que tem da janela pra dentro, porque não se volta para olhar, solucionar e acolher o que lhe pertence.
Ter os olhos apenas voltados a ver a grama do vizinho como mais verde, desestabiliza o equilíbrio de sabermos o tempo de nos doar e o momento de sermos nossos.
Michelle Carvalho
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Imagem destacada: Acervo pessoal da autora. Fotografia de Alexia Leal