Diário de um espectro chamado mãeJosilene Pessoa

Série: Diário de um espectro chamado mãe – texto: Era só o remédio

O Diário hoje traz uma história que me aconteceu há algum tempo mas eu relutei um pouco para falar sobre ela. Hoje me veio a memória e resolvi compartilhar com vocês.

Estava no sacolão, fazendo a feira semanal e reparei duas pessoas entrando para abordar os clientes. Chegaram até a mim e confesso que já estava desconfiada achando que teria que perder no mínimo algumas moedas.

Continuei normalmente a pegar minhas frutas quando elas se aproximaram. Uma senhora com um pouco mais de idade meio transtornada e uma moça parecia jovem, talvez a filha.

Com um papel  em mãos a mais nova pedia dinheiro para comprar um remédio que estava faltando para o tratamento dos irmãos. A senhora em tom de desespero já não sabia o que falar me disse:

Moça, eu quero morrer! Eu não tenho mais forças! Tenho uma adolescente em casa que não dorme e bate a cabeça na parede o tempo todo e um mais novo que também é autista.

Claro que aquilo me veio como um golpe certeiro no peito e me fez arrepender de todas as vezes que reclamei da minha situação. Principalmente porque na época em questão, o meu filho ainda não tinha crises tão severas quanto agora.

Pedi então para ver a receita. Ao olhar aquele papel veio o segundo golpe. Os medicamentos eram os mesmos que eu comprava para meu filho.

Depois de respirar fundo eu as pedi que esperassem um instante eu terminar a feira que com certeza eu as acompanharia até a farmácia que era ali do outro lado da esquina e compraria o remédio. Um dos medicamentos eu até me ofereci para mandar fazer e entregar depois em algum lugar que marcaríamos ali perto.

Elas então realmente me esperaram. Eu terminei e pedi que a moça do caixa do sacolão guardasse minha feira para eu ir na farmácia ajudar aquela família.

Seguimos para lá e na hora de pedir, um dos medicamentos era controlado, alguém tinha que preencher uns dados para efetuar a compra. Percebi na hora um certo desespero por parte da senhora pois estava sem documento. Enfim, elas conseguiram preencher a receita. Chegaram a me pedir para escrever seus próprios dados. Foi então que percebi que não sabiam escrever ou ler muito bem.

Com o objetivo de continuar ajudando eu pedi que elas anotassem meu telefone para assim eu entregar o remédio que eu mandaria manipular e que ajudaria seus filhos a dormir melhor. Mas elas me pediram que escrevesse o número num papel e disseram que tentariam ligar mas não era cerro pois não tinham aparelho.

Nos despedimos, elas me agradeceram e eu fiquei pensando que poderiam ter feito mais por elas. A frase daquela senhora não saiu da minha cabeça por muito tempo.

Pensei em nossas preocupações miúdas e prioridades não tão relevantes. Enquanto as pessoas estão realmente adoecendo na fila da vida.

No fim, era só o remédio mesmo. Pendurei minhas sacolas nos braços e minhas lamentações por um período se retraíram.

Respirei fundo e voltei para casa com uma tristeza que aí mesmo tempo me deu forças para continuar.

Josileine Pessoa Ferreira Gonçalves.

Imagem do texto: https://pixabay.com/photos/tablets-medicine-supplement-vitamin-5620566/

Imagem destacada: https://pixabay.com/images/id-3447075/

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Josileine Pessoa F. Gonçalves

Nascida no município de Niterói – RJ, Moradora de São Gonçalo, onde tambem cursei a maior parte dos estudos no Colegio Estadual Nilo Peçanha. Formada em Letras/Port. – Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Trabalho na área da educação e ensino de inglês. Atualmente ministrando aulas de Produção Textua na rede particular de ensino e aulas de inglês online. Faço parte do Coletivo de Escritoras Vivas de São Gonçalo desde o segundo semestre de 2022 e sou membro da União Brasileira de Trovadores, a UBT São Gonçalo, desde Janeiro de 2023. Colunista da Revista Entre Poetas e Poesias, além da coluna com textos variados, ofereço aos leitores minha "escrevivencia" atípica na Série "Diário de um espectro chamado mãe, onde é possível encontrar textos diversos dentro do universo autista. Sou casada, mãe de dois filhos autistas, poeta, escritora e trovadora sempre gostei de compor e escrever sobre vida e sociedade. Inclusive com composições, paródias e versões para uso educacional. 

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2 Comentários

  1. Josilene
    Talvez tenham aparecido para lhe proporcionar alívio. Ao compreender a dor do outro, aliviamos a própria. Obrigada por dividir esse momento marcante .

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