Série: Diário de um espectro chamado mãe – texto: Era só o remédio
O Diário hoje traz uma história que me aconteceu há algum tempo mas eu relutei um pouco para falar sobre ela. Hoje me veio a memória e resolvi compartilhar com vocês.
Estava no sacolão, fazendo a feira semanal e reparei duas pessoas entrando para abordar os clientes. Chegaram até a mim e confesso que já estava desconfiada achando que teria que perder no mínimo algumas moedas.
Continuei normalmente a pegar minhas frutas quando elas se aproximaram. Uma senhora com um pouco mais de idade meio transtornada e uma moça parecia jovem, talvez a filha.
Com um papel em mãos a mais nova pedia dinheiro para comprar um remédio que estava faltando para o tratamento dos irmãos. A senhora em tom de desespero já não sabia o que falar me disse:
Moça, eu quero morrer! Eu não tenho mais forças! Tenho uma adolescente em casa que não dorme e bate a cabeça na parede o tempo todo e um mais novo que também é autista.
Claro que aquilo me veio como um golpe certeiro no peito e me fez arrepender de todas as vezes que reclamei da minha situação. Principalmente porque na época em questão, o meu filho ainda não tinha crises tão severas quanto agora.
Pedi então para ver a receita. Ao olhar aquele papel veio o segundo golpe. Os medicamentos eram os mesmos que eu comprava para meu filho.
Depois de respirar fundo eu as pedi que esperassem um instante eu terminar a feira que com certeza eu as acompanharia até a farmácia que era ali do outro lado da esquina e compraria o remédio. Um dos medicamentos eu até me ofereci para mandar fazer e entregar depois em algum lugar que marcaríamos ali perto.
Elas então realmente me esperaram. Eu terminei e pedi que a moça do caixa do sacolão guardasse minha feira para eu ir na farmácia ajudar aquela família.
Seguimos para lá e na hora de pedir, um dos medicamentos era controlado, alguém tinha que preencher uns dados para efetuar a compra. Percebi na hora um certo desespero por parte da senhora pois estava sem documento. Enfim, elas conseguiram preencher a receita. Chegaram a me pedir para escrever seus próprios dados. Foi então que percebi que não sabiam escrever ou ler muito bem.
Com o objetivo de continuar ajudando eu pedi que elas anotassem meu telefone para assim eu entregar o remédio que eu mandaria manipular e que ajudaria seus filhos a dormir melhor. Mas elas me pediram que escrevesse o número num papel e disseram que tentariam ligar mas não era cerro pois não tinham aparelho.
Nos despedimos, elas me agradeceram e eu fiquei pensando que poderiam ter feito mais por elas. A frase daquela senhora não saiu da minha cabeça por muito tempo.
Pensei em nossas preocupações miúdas e prioridades não tão relevantes. Enquanto as pessoas estão realmente adoecendo na fila da vida.
No fim, era só o remédio mesmo. Pendurei minhas sacolas nos braços e minhas lamentações por um período se retraíram.
Respirei fundo e voltei para casa com uma tristeza que aí mesmo tempo me deu forças para continuar.
Josileine Pessoa Ferreira Gonçalves.
Imagem do texto: https://pixabay.com/photos/tablets-medicine-supplement-vitamin-5620566/
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Josilene
Talvez tenham aparecido para lhe proporcionar alívio. Ao compreender a dor do outro, aliviamos a própria. Obrigada por dividir esse momento marcante .
Sim… Também acredito nisso! Obrigada por ler e comentar🥰😘