Desimportamos a própria vida
Os impactos, os eventos,
Os acidentes, as perdas. as dores
Nos impõem reflexões, cuidados
Promessas…
Precavemo-nos
Prometemo-nos…
Dali a pouco
Vira “normal”
Vira “comum”
Vira “banal”
E volta a ser tudo igual…
E no redemoinho do que se amontoa
Sem tempo de viver o que importa
Desimportamos a própria vida
Submergindo as promessas
Na roda mecânica do que nem sabemos o que é…
(Michelle Carvalho)
O que tudo que passamos mudou dentro de nós?
As falácias e as promessas de mudanças se perpetuam ou o vento já dissipou?
Passamos por tantas reviravoltas, tantos extremos, perdas, reclusões distanciamentos, medos, descobertas e mudanças de vida que se perpetuaram durante todo o período da pandemia.
Em meio a todo esse impacto, ouvi pessoas dizendo que se redescobriram, que olharam pra dentro de si, que vislumbraram o que realmente importa, que mudaram seus hábitos, que descobriram o que desejam retirar e banir da sua vida por ser algo que nunca lhes fez bem ou que atrapalhava sua evolução como pessoa.
E agora que tudo está caminhando para o retorno do que vivíamos anteriormente, será que voltaremos ao “normal” ou iremos aderir ao “novo normal”?
Sabemos que todos os fins de semana prometemos que segunda-feira iniciaremos a dieta e aos exercícios com foco, mas isso quase nunca acontece… Sabemos também que no fim de cada ano estabelecemos metas e promessas que se conseguirmos cumprir uma delas já estamos no lucro, afinal, não é de uma hora pra outra que realizamos mudanças drásticas na vida, isso requer tempo e muito esforço!
Mas o que dizer de dois anos prometendo dentro de si essas mudanças? É um tempo racional e razoável para o psicológico anuir com essas transformações, não acham?
Quando presenciamos uma perda de alguém por um acidente de carro, por exemplo, aquele acontecimento nos marca, não andamos mais de forma desapropriada ao veículo, temos mais cautela, mais cuidado, mas parece que com o passar dos dias tudo volta ao “normal”. O impacto passa, a acuidade diminui ou simplesmente zera e voltamos a nos arriscar todos os dias novamente, como se fossemos blindados e nada nos fosse acontecer.
Assim foi com o vírus que assolou o mundo. Até mesmo os que sabiam que era real passaram a reduzir o uso da máscara, afrouxar os cuidados por não “ver” mais o perigo e assim expunham-se a si e aos outros, mesmo no auge da contaminação.
Tudo novamente se “normaliza” como se as grandes tormentas não causassem aprendizado ou não semeassem nada nos seres humanos.
Vi pessoas que tiveram que desacelerar, reduzir carga de trabalho, aproximaram-se da família e prometeram que não mais voltariam para a vida distante e acelerada que tinham antes, quando sequer conseguiam ver os filhos acordados.
Outros se perderam no tamanho tempo livre que lhes foi ofertado. Não se desligavam de seus antigos afazeres e não buscavam meios de realizar antigos sonhos eis que uma nova oportunidade de tempo lhes era ofertado no momento. Ofuscaram-se até mesmo em buscar a beleza do ócio criativo que lhe era propiciado para ressignificar sua vivência.
Muitos viram que o trabalho desenfreado não é tudo na vida e que não se deve ser escravo nem chicotear-se para estar mais submisso a tarefas, ou até mesmo buscar mais afazeres para tornar preenchido todos os seus momentos. Buscaram tempo de qualidade, gostaram e fizeram promessas, algumas delas já feitas a si mesmos lá na juventude. Tais promessas consistiam-se em dedicar-se mais a família, o que conseguiram realizar no período pandêmico… As promessas acalentaram o coração e comprometeram-se em permanecer…
Com o retorno gradativo da vida extra paredes de casa e pós isolamento social, iniciou-se o corriqueiro impulsionar do maquinário social de inércia na qual o circular da rodinha da vida volta a encarcerar em um aceleramento desmedido.
As promessas esvaíram-se, a vida mais saudável exauriu-se da vontade e da memória. O cárcere do isolamento transmudou-se no cárcere da velocidade desmedida, na qual uma “prisão” abriu porta para outra, como se nunca tivesse transitado pelos impactos, como se nunca tivesse tido esperança de mudança interna para uma vida mais plena, equânime entre o “viver do trabalho” e o “viver para o trabalho”.
Até quando?
Teremos que passar por mais impactos, dores e perdas para chacoalhar as atitudes e resoluções ou seguiremos por alguns dias preocupados e depois retornaremos ao ponto de fazermos parte de uma engrenagem impulsionando-se em aceleração constante, sem pausa e sem tempo para respirar ou pensar?
Até quando??
Michelle Carvalho
e-mail: michellecarvalhoadvogada@yahoo.com.br
Instagram: @michelle_carvalho_escritora
Facebook: Michelle Carvalho Escritora
Youtube: Michelle Carvalho Escritora
Fonte Imagem destacada: https://pixabay.com/pt/photos/r%c3%a3-jaula-trancado-triste-figura-1247180/