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Série: Quarenta, é sério? – Cap.#08 – Crônica: “Um simples hábito libertador” – Renato Cardoso

Série publicada quinzenalmente às sextas na Revista Entre Poetas & Poesias - Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Amanheceu. Deveria ser umas seis da manhã, o corredor estava movimentado, mas algo de diferente foi feito naquela troca de turno. Sempre ficavam um técnico de enfermagem e uma enfermeira conosco, e assim foi feito.

A responsável pelo plantão foi colocando o excedente de pessoas para fora do corredor e pedindo silêncio (eu sempre escutava tudo que eles conversavam, pois minha cama ficava de frente para o corredor).

Em poucos minutos, tudo estava no mais repleto silêncio e eis que, ao fundo, escutei uma música suave tocando num celular que estava em cima da mesa. A enfermeira tinha o costume de colocar, sempre que começava todo plantão dela.

Aquilo foi me acalmando. Começamos a nos preparar para o café da manhã (na verdade eu estava ansioso pela visita do fisioterapeuta). O técnico e a enfermeira entraram na enfermaria, se apresentaram para gente e nos desejaram pronta recuperação. Agradeci e elogiei pela ação de deixar tudo em silêncio (o turno anterior tinha sido bem agitado).

O café chegou, tomamos (toda vez que eu usar o plural, lembre-se sempre que me refiro a mim e a seu Carlos) e as medicações começaram a ser aplicadas no soro. Consegui passar a noite com a oxigenação reduzida e tinha sido a primeira noite, desde que descobri que estava com Covid, que consegui dormir de fato.

Seu Carlos brincou comigo falando que tinha até roncado a noite, de tão pesado que foi meu sono. Deve ter sido mesmo. O medo estava diminuindo e a certeza do retorno para casa aumentava. O fato de não ter conseguido tomar banho no chuveiro na manhã anterior estava me incomodando muito.

Sabia que não tardaria à hora do banho. Seu Carlos estava animado como sempre. Deus sabe todas as coisas e não podia ter me dado um melhor parceiro de quarto. Um dos maqueiros passou pela enfermaria e me perguntou se estava bem e brincou comigo dizendo que me levaria embora.

Só fui entender, quando tive alta, o motivo pelo qual todos os dias um passava e brincava comigo. Um amigo meu, professor Tiago, conhecia a equipe dos maqueiros do hospital e pedia a eles, era uma forma que ele tinha de saber como eu estava e ao mesmo tempo informar a minha esposa.

O técnico entrou na enfermaria com a roupa de cama e com toalhas e sabonetes para o banho. O fisioterapeuta chegou e primeiro foi olhar seu Carlos, que de pronto foi liberado para o banho. Depois ele veio na minha direção e me perguntou como passei a noite.

Ele viu que a oxigenação havia diminuído e me elogiou por isso. Pediu para que eu levantasse para ver meu equilíbrio e saturação. Pediu que eu andasse um pouco pelo quarto, assim o fiz. Saturação medida (estava 95) e o equilíbrio estava ok. Liberado para ir ao banheiro tomar banho no chuveiro.

Uma alegria tomou conta de mim. Parecia uma criança que tinha acabado de ganhar um presente desejado. Esperei seu Carlos voltar e dei a ele a grande notícia. Ele sorriu e me deu os parabéns. A enfermeira foi me acompanhando, pois o banheiro ficava na outra enfermaria.

A distância era pequena. Pela primeira vez estava andando pelo hospital. Entrei na enfermaria vizinha, desejei bom dia a todos, a profissional me deixou na porta banheiro e me perguntou se conseguiria tomar banho sem auxilio, disse que sim.

Ela disse que ficaria no local auxiliando a outra enfermeira e que qualquer coisa era só chamar. Entrei. Era um banheiro bem simples, mas parecia a suíte de um grande hotel de luxo. Abri a torneira e a água começou a cair (confesso que rolou uma lágrima de felicidade).

Sabia que não podia demorar, mas queria muito lavar meu cabelo. Sentia que aquele simples ato era libertador, parecia que a água estava trazendo minha cura. Parecia que todo aquele tormento estava por acabar.

Às vezes não temos a noção de coisas rotineiras que fazemos todos os dias podem ganhar significados imensos quando não podemos realizá-las. Um simples banho, escovar os dentes, tudo sozinho (da última vez que fiz tudo isso sozinho, eu estava em casa e fazia com muita dificuldade).

Sai do banheiro. Todos brincaram comigo, dizendo que havia demorado. Voltamos para o quarto. O dia ainda seria grande com muitas coisas pela frente…

 

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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