CONVERSA FORA

Adoro me meter na conversa dos outros. Estico o ouvido para ouvir o que as pessoas dizem umas pras outras perto de mim e me meto sem cerimônia nas conversas delas. Não, meu bem, não falo em voz alta, que mal-educado eu nunca fui. Eu converso é comigo mesmo. Largo pra lá os dois que me motivaram a prosa e sigo sozinho, dando corda no papo entrecortado que ouvi.

Às vezes, tomo as dores de uma, se a conversa beirava a contenda, e ponho lenha na fogueira da discussão: “Fosse comigo eu dava na cara dela!”; noutras, amenizo a rivalidade e ajo como bombeiro: “Veja só, não é bem assim, ele não fez por mal…”.

Assim nascem muitas crônicas que escrevo e sambas que faço, que eu não sou de jogar conversa fora. Esses colóquios que tomo emprestado me fazem muitas vezes refletir sobre a vida. Dia desses, por exemplo, caminhando numa pracinha aqui perto de casa, hábito do qual gosto cada vez mais, menos pelo exercício do que pelo que ouço, cruzei com dois homens mais ou menos da minha idade, fazendo alongamentos, preparando-se para iniciar a caminhada. Ao passar perto da dupla de atletas veteranos, ouvi de um deles:

– Vamos por aqui.

– Por aqui? Vamos caminhar no sentido anti-horário? Espantou-se o outro.  – Não tá vendo que tá todo o mundo andando naquela direção?

O primeiro respondeu:

– É! Quem sabe, assim, a gente faz o tempo andar pra trás.

Mais não ouvi. Os dois homens ficaram lá onde os deixei, estendendo pernas e braços, mas a frase veio comigo. “Quem sabe, assim, a gente faz o tempo andar pra trás”.

O que eu faria se pudesse fazer o tempo andar para trás? Até onde eu iria? Em que ponto pararia e por quê? Que acerto de contas me levaria ao passado? Ou, que delícias gostaria de experimentar de novo?

Eu sei, caríssimo leitor, a vida não nos dá uma segunda chance: não tem ctrl + z no mundo real. Mas que dá vontade, às vezes, de refazer o que foi feito, de consertar uma bobagem, de reviver um momento inesquecível, ah, isso dá.

Como isso não é possível, na vida de verdade, inventamos a filmadora, a máquina de tirar retratos e o pedido de perdão. As duas primeiras pularam pra dentro do celular (ainda não sei de verdade se isso foi mesmo bom ou ruim), e são úteis para o registro de ocasiões importantes, para o bem ou para o mal. O segundo continua onde sempre esteve: preso na garganta de quem deve pedir ou guardado no coração a quem cabe conceder.

Não é fácil pedir perdão. Já experimentou? As palavras não saem, ou, se saem, chegam à boca embaralhadas, atrapalhadas, mal substituídas por outras. Os sentimentos que elas deveriam representar ainda não brotaram devidamente na alma e, por isso, o cérebro não sabe direito quais vocábulos usar e em que lugar das frases deve colocá-los. Nessas horas, salva-nos o velho “não sei como lhe dizer isso” ou “Nem tenho palavras para expressar o que sinto”.

Dificílimo, também, é perdoar. Aquela desfeita, a negativa, a ofensa e a ingratidão ficam cá dentro, vagando como ratos no porão, e reaparecem, às vezes, à noite, quando estamos distraídos – naqueles momentos em que desligamos o alarme e damos folga às sentinelas -, e vêm passear em volta da gente, roendo nossa desprotegida felicidade.

Como perdoar a quem nos magoou tanto, a quem nos virou a cara quando mais precisávamos? De que modo eximir a quem foi embora, assim, sem mais nem menos, ou a quem que nos fechou a porta na cara, quando era aquela a nossa única saída? Como pedir perdão a quem magoamos tanto, a quem não estendemos a mão quando a pessoa mais precisava, a quem abandonamos no meio do caminho, por um capricho, ou por pura insatisfação ou impaciência?

Voltei à caminhada, em volta do chafariz da pracinha, carregando comigo, nas costas, o peso das reflexões sem respostas. Por via das dúvidas, preferi continuar no sentido horário, a favor do tempo, como todo o mundo, que o que ficou para trás, acho, deve lá ficar.

Em frente!

Link da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/atletas-correndo-no-atletismo-oval-em-fotografia-em-escala-de-cinza-34514/

 

 

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