De Volta ao Começo (parte 3)
Em um caminhar passo a passo, sinto o coração pulsar ao encontro da minha essência. E nesses passos meu coração de pedra ,moldado pelo que o mundo me fez ser por medo ou por obrigação, ia se embriagando com a possibilidade do reencontro com o coração de carne que eu tinha, dizendo ainda fraco: “bem-vinda”…
A expectativa abarca cada célula de mim
Era o que tanto queria, enfim!
Saber que de novo regressaria
Ao meu lugar, a terra que tanto ia
Ansiedade e coração disparado
Adentrar na condução e sabendo que ir nos bancos do fundo tem mais emoção…
Com o ligar do motor me preparei para segurar o estômago que se revirava em borboletas…
O início da subida faz qualquer montanha russa brinquedo infantil
Ali, o misto de euforia e emoção causava desassossego ao coração
Mostrar cada folha, cada vegetação única deste lugar
Relembrar que ali já consegui a pé atravessar
Com dificuldade de criança, mas que é empecilho a muitos adultos
Lembrar e identificar a beleza e a periculosidade da “curva da morte”
O “caminho do bambuzal”
A “bacia de ouro” onde as pedras e areia do fundo das aguas nos remetem
ao dourado dos antigos tachos de cobre
O cume da estrada faz saber que o destino está próximo
E a ansiedade aumenta…
Ao avistar as palmeiras, sabendo que o impacto com o passado se aproxima
Acontece mais do que esperava
A garganta aperta e os olhos não suportam tanta emoção…
Avisto aquele lugar onde tudo se fez diferente
Cada cantinho que olho é vertente pra mim
Fonte de minha construção em bons episódios e brutas repreensões
Repreensões que me irritavam mas não tiravam a alegria de estar lá
Passei pela igrejinha das celebrações matutinas de domingo aonde ia de vestido por respeito a Deus e a Nossa Senhora de Aparecida
Circundamos a quadra de jogos, diversões e paqueras
Chegamos a casa onde uma das minhas raízes familiares ainda está viva lá
A casinha continua a mesma com o cheiro de mar que sentia quando lá me hospedava
Ao abraça-la reconectei-me com minha avó que já se foi e tantos outros que saudades nos deixaram
Tudo pelo toque da raiz, do sangue, do DNA…
Antes de ir ao mar
Passei pela casinha que mais me acolhei por anos em período de férias
Lembro-me de cada porta, de sentar-me nas janelas antigas
Da disposição das mesas e das camas…
Lembrei-me da febre que tive e que me impossibilitou de brincar e correr com os primos
Sendo cuidadas com remédios naturais, folhas de pitanga e crenças indígenas da família
Lembrei-me da ausência de televisão por anos naquela casa
Das comuns ausências de energia elétrica
Que faziam aparecer velas e lamparinas num passe de mágica
Deixando tudo com mais clima de roça
Os adultos divertiam-se no carteado e no dominó
E as crianças entediadas sem nada pra fazer acabavam por dormir cedo
Ou ouvir histórias antigas enquanto a jogatina rolava…
Todos ao redor da mesa
Hoje, muitos do que compunham esta mesa de diversão estão juntos de Deus
E eu hoje, olhando de fora…
Ahhh, aquela casinha… eu podia senti-la viva com os olhos da saudade!
Atualmente, com os olhos da realidade
Está verde pelo musgo, pelo mato alto que sai pelas janelas onde não posso mais sentar
Sem telhado e oca de vida…
Como doeu ver aquela cena…
Senti que a casa se foi, assim como muitos dos meus…
Mas fechando os olhos
Sinto o cheiro do peixe com banana, da paçoca com torresmo, do lagarto com gosto de frango e o som das gargalhadas e gritarias naturais…
O “Casarão”, hoje me parece menor, nada amedrontador
O chafariz se foi, e de onde sua água, que sanava minha sede
Hoje brotam coqueiros e palmeiras…
Mas ao avistar o mar…
Vi que tudo era igual,
Corri em sua direção como se quisesse abraça-lo
Enfim o meu mar, o meu lugar!
Quem é cria de um mar assim jamais se contenta com pouco…
A areia é fina, mas sua extensão não corrobora com queimaduras nos pés
A água é translúcida, com ondas que não assustam, mas acalentam…
Lembrei de tantas manhãs de chuva, de mar grosso e mal humorado
Mas na grande maioria das vezes ele sorria lindamente pra mim
Tal qual a visão daquele momento,
Na alegria de ser mar,
Unido ao sol, me envolveram
E me cobriram com o carinho que eu imaginava…
Em incontáveis mergulhos
Não me importei com a salinidade,
É a maresia da minha raiz
Da água morna de temperatura ideal
Que refresca sem traumatizar…
No encontro de um dos rios com o mar
Onde água gelada e a quente se misturam
Causando inúmeras sensações de frio e calor
Sentei-me como criança,
Acariciando a areia
No fundo da água
Tão macia e aveludada
Diferente de tudo e tão similar ao que há em mim…
Mergulhei sem pensar nos cabelos e em mais nada
Só queria matar a saudade
Do mais belo lugar
Do meu lugar…
Onde ouvi “causos” que hoje são tão preciosos
Onde meu primeiro beijo aconteceu
Onde o cheiro da infância e da saudade se misturam
E que me mostram que o tempo passou…
Onde os dois rios se misturam com o mar
Eu me misturei com a saudade
E cheia de água do mar
Não reconhecia se o gosto salgado era da água das ondas ou das lágrimas de alegria do retorno…
Michelle Carvalho
Esta poesia é parte integrante do livro “Versos de Princesa Prometida II – O encontro da infância com a maturidade” – para adquirir basta contatar a autora por uma das redes abaixo.
O livro também está disponível em e-book e de forma física nas principais plataformas no Brasil e em várias plataformas internacionais no Japão, Austrália, Canadá, Portugal, França, Alemanha, EUA, etc.
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