Michelle Carvalho

De Volta ao Começo (parte 3)

 

 Em um caminhar passo a passo, sinto o coração pulsar ao encontro da minha essência. E nesses passos meu coração de pedra ,moldado pelo que o mundo me fez ser por medo ou por obrigação, ia se embriagando com a possibilidade do reencontro com o coração de carne que eu tinha, dizendo ainda fraco: “bem-vinda”…

 

A expectativa abarca cada célula de mim

Era o que tanto queria, enfim!

Saber que de novo regressaria

Ao meu lugar, a terra que tanto ia

Ansiedade e coração disparado

Adentrar na condução e sabendo que ir nos bancos do fundo tem mais emoção…

Com o ligar do motor me preparei para segurar o estômago que se revirava em borboletas…

O início da subida faz qualquer montanha russa brinquedo infantil

Ali, o misto de euforia e emoção causava desassossego ao coração

Mostrar cada folha, cada vegetação única deste lugar

Relembrar que ali já consegui a pé atravessar

Com dificuldade de criança, mas que é empecilho a muitos adultos

Lembrar e identificar a beleza e a periculosidade da “curva da morte”

O “caminho do bambuzal”

A “bacia de ouro” onde as pedras e areia do fundo das aguas nos remetem

                                                    ao dourado dos antigos tachos de cobre

O cume da estrada faz saber que o destino está próximo

E a ansiedade aumenta…

Ao avistar as palmeiras, sabendo que o impacto com o passado se aproxima

Acontece mais do que esperava

A garganta aperta e os olhos não suportam tanta emoção…

Avisto aquele lugar onde tudo se fez diferente

Cada cantinho que olho é vertente pra mim

Fonte de minha construção em bons episódios e brutas repreensões

Repreensões que me irritavam mas não tiravam a alegria de estar lá

Passei pela igrejinha das celebrações matutinas de domingo aonde ia de vestido por respeito a Deus e a Nossa Senhora de Aparecida

Circundamos a quadra de jogos, diversões e paqueras

Chegamos a casa onde uma das minhas raízes familiares ainda está viva lá

A casinha continua a mesma com o cheiro de mar que sentia quando lá me hospedava

Ao abraça-la reconectei-me com minha avó que já se foi e tantos outros que saudades nos deixaram

Tudo pelo toque da raiz, do sangue, do DNA…

Antes de ir ao mar

Passei pela casinha que mais me acolhei por anos em período de férias

Lembro-me de cada porta, de sentar-me nas janelas antigas

Da disposição das mesas e das camas…

Lembrei-me da febre que tive e que me impossibilitou de brincar e correr com os primos

Sendo cuidadas com remédios naturais, folhas de pitanga e crenças indígenas da família

Lembrei-me da ausência de televisão por anos naquela casa

Das comuns ausências de energia elétrica

Que faziam aparecer velas e lamparinas num passe de mágica

Deixando tudo com mais clima de roça

Os adultos divertiam-se no carteado e no dominó

E as crianças entediadas sem nada pra fazer acabavam por dormir cedo

Ou ouvir histórias antigas enquanto a jogatina rolava…

Todos ao redor da mesa

Hoje, muitos do que compunham esta mesa de diversão estão juntos de  Deus

E eu hoje, olhando de fora…

Ahhh, aquela casinha… eu podia senti-la viva com os olhos da saudade!

Atualmente, com os olhos da realidade

    Está verde pelo musgo, pelo mato alto que sai pelas janelas onde não posso mais sentar

Sem telhado e oca de vida…

Como doeu ver aquela cena…

Senti que a casa se foi, assim como muitos dos meus…

Mas fechando os olhos

Sinto o cheiro do peixe com banana, da paçoca com torresmo, do lagarto com gosto de frango e o som das gargalhadas e gritarias naturais…

O “Casarão”, hoje me parece menor, nada amedrontador

O chafariz se foi, e de onde sua água, que sanava minha sede

Hoje brotam coqueiros e palmeiras…

Mas ao avistar o mar…

Vi que tudo era igual,

Corri em sua direção como se quisesse abraça-lo

Enfim o meu mar, o meu lugar!

Quem é cria de um mar assim jamais se contenta com pouco…

A areia é fina, mas sua extensão não corrobora com queimaduras nos pés

A água é translúcida, com ondas que não assustam, mas acalentam…

Lembrei de tantas manhãs de chuva, de mar grosso e mal humorado

Mas na grande maioria das vezes ele sorria lindamente pra mim

Tal qual a visão daquele momento,

Na alegria de ser mar,

Unido ao sol, me envolveram

E me cobriram com o carinho que eu imaginava…

Em incontáveis mergulhos

Não me importei com a salinidade,

É a maresia da minha raiz

Da água morna de temperatura ideal

Que refresca sem traumatizar…

No encontro de um dos rios com o mar

Onde água gelada e a quente se misturam

Causando inúmeras sensações de frio e calor

Sentei-me como criança,

Acariciando a areia

No fundo da água

Tão macia e aveludada

Diferente de tudo e tão similar ao que há em mim…

Mergulhei sem pensar nos cabelos e em mais nada

Só queria matar a saudade

Do mais belo lugar

Do meu lugar…

Onde ouvi “causos” que hoje são tão preciosos

Onde meu primeiro beijo aconteceu

Onde o cheiro da infância e da saudade se misturam

E que me mostram que o tempo passou…

Onde os dois rios se misturam com o mar

Eu me misturei com a saudade

E cheia de água do mar

Não reconhecia se o gosto salgado era da água das ondas ou das lágrimas de alegria do retorno…

Michelle Carvalho

Esta poesia é parte integrante do livro “Versos de Princesa Prometida II – O encontro da infância com a maturidade” – para adquirir basta contatar a autora por uma das redes abaixo.

O livro também está disponível em e-book e de forma física nas principais plataformas no Brasil e em várias plataformas internacionais no Japão, Austrália, Canadá, Portugal, França, Alemanha, EUA, etc.

e-mail: michellecarvalhoadvogada@yahoo.com.br

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Fonte da imagem destacada: https://pixabay.com/pt/photos/cora%C3%A7%C3%A3o-bem-vindo-bem-vinda-amor-4341206/

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Michelle Carvalho

Biografia: Advogada, Escritora desde os 13 anos, com participação em inúmeras antologias literárias e premiações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ganhadora do Premio Baixada de Literatura em 2014. Lançou 4 livros: “Furor Letárgico da Alma” (2009), “Versos de Princesa Prometida” (2015 – na 17ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro) e “Cindy Entre Patas e Reinos” (2018) e Cindy Entre Patas e Reinos 2 (2019 – 19ª Bienal Internacional do do Livro do Rio de Janeiro) , estes dois últimos projetos de leitura na Cidade das Artes/RJ, em várias escolas nacionais e internacionais. Além de diversas participações em projetos culturais literários em escolas com palestras motivacionais, intervenções literárias e poéticas em saraus, sendo o último deles o Programão Carioca da Rede Globo no ano de 2018, Participação na FLIM e FLISGO no ano de 2019, bem como posse na ACLAM – Academia de Ciências, Letras e Artes de Magé.

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