Suplemento Araçá – Vol.02 – nº01 – Jan./2022 – Resenhas – “O ROMANCE QUE NÃO FOI LIDO” – Juliane Elesbão

ISSN: 2764.3751

O ROMANCE QUE NÃO FOI LIDO[1]
Juliane Elesbão

A abordagem da ficção machadiana – especificamente do romance Helena – que lemos em O romance que não foi lido apresenta-se original e, podemos dizer, audaciosa, sobretudo pela análise heterodoxa baseada numa metodologia de leitura rente ao texto, conhecida como close reading – procedimento de leitura que se atenta aos pormenores textuais e linguísticos no corpo a corpo com cada palavra, num processo assemelhado à decifração de um enigma, e que nos põe como Édipo frente à esfinge.

A partir desse procedimento metodológico, o professor Eduardo Luz revela-nos uma outra obra, que, até então, havia sido julgada por um consenso crítico preso às convenções românticas, que a classificam como pertencente a uma primeira fase de Machado de Assis, fase essa que seria de aprendizagem, destituída, portanto, da brilhante maturidade intelectual e literária do escritor  identificada em obras posteriores, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. Na contramão dessa leitura mais ortodoxa, já convencionada, e inconformado com o entendimento romântico sobre a obra, Luz dá sequência aos seus estudos acerca da obra machadiana para nos apresentar um “romance que não foi lido”.

Assim, é-nos delineado o jogo de imposturas do narrador de Helena, cuja atuação é responsável pelos efeitos produzidos sobre o leitor; logo, é constatado um narrador “onisciente, mas que finge não saber”, “que oferece perspectivas parciais” da narrativa. Ao analisar esse elemento estrutural, o autor destaca a consciência que Machado tinha da força de atuação da instância narrativa e do domínio hermenêutico que esta (até) deixa mostrar em Helena.

Além disso, há duas linhas prospectivas que também orientam o trabalho: a primeira diz respeito à técnica da aemulatio, recurso de composição que parte de um modelo prévio, mas com o acréscimo de elementos ou dados novos. No caso de Machado, conforme o estudo de Eduardo Luz, a técnica da emulação resultou numa espécie de bricolagem de três tragédias gregas que contemplam o mito de Electra, a qual teria sido incorporada à tessitura machadiana. Seriam elas Coéforas, de Ésquilo; Electra, de Sófocles; e Electra, de Eurípides. A segunda linha prospectiva deriva dos insights intuídos por alguns estudiosos de Machado, como José Aderaldo Castello, Regina Zilberman e Helen Caldwell, que demonstraram uma percepção que transpassava “a aparente simplicidade de uma intriga quase detetivesca”, mas que não foi devidamente desenvolvida por conta justamente da leitura romântica que a orientava.

Partindo de tais perspectivas, temos a vingança e o incesto como as principais motivações para a intriga do referido romance. A protagonista age movida pelo desejo de vingança contra a família de seu falecido padrasto, o Conselheiro Aires, que matara simbolicamente Salvador, pai biológico de Helena, ao adotá-la e unir-se à sua mãe Ângela. Apaixonada pelo seu pai sanguíneo, a Electra de Machado trama um plano para destruir Estácio, seu irmão adotivo. No entanto, tal missão terá um desfecho “soberanamente infeliz”, visto que Helena converte-se “na causa do próprio mal”, precipitando-se para a própria perda.

Para dar corpo a esse trabalho de inteligência e necessário esforço, O romance que não foi lido está dividido em três partes, a saber: uma introdução intitulada “O que Machado de Assis fez”, em que tomamos ciência do aporte teórico que alicerça a pesquisa de Luz; o desenvolvimento, composto por notas de leitura que dão conta da análise heterodoxa proposta, rotulado “Como Machado de Assis fez”; e, por fim, uma conclusão intitulada “O que Machado de Assis é”, que sintetiza todo o percurso reflexivo e enfatiza que o Bruxo do Cosme Velho “não foi romântico e não foi realista”, ele foi “machadiano”, citando Gustavo Bernardo.

Com esse trabalho árduo de pesquisa que se propõe emancipador de Helena, a impressão que fica é a de que estamos a aprender a ler Machado do modo como ele gostaria de ser lido. Por fim, a genialidade do Bruxo é mais uma vez confirmada com o engenhoso trabalho de Eduardo Luz, que nos mostra que o referido romance é mais uma das primorosas elaborações literárias machadianas.

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[1] LUZ, Eduardo. O romance que não foi lido: Helena, de Machado de Assis. Fortaleza: Edições UFC, 2017.

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Juliane Elesbão é Doutora em Literatura Brasileira (UERJ) e Mestra em Literatura Comparada (UFC).

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