Edição 04 – Resenha #01 – “Aborto – Leitura para ver, para ouvir, para falar em voz alta, de Carina Lessa”
Aborto – Leitura para ver, para ouvir, para falar em voz alta, de Carina Lessa
Por Jorge Marques
Em geral, romances são construídos sobre alicerces cujas recorrências não deixam dúvida de que o gênero construiu, já há muito, um dispositivo que o torna reconhecível aos seus leitores.
Nesse sentido, alguns elementos narrativos tocam mais ou menos a sensibilidade do público: podem ser as personagens complexas e bem construídas ou a trama competentemente alinhavada. Mais raros, entretanto, são os livros celebrados por uma execução linguística que, de tal monta bem executada, os tornam reconhecidos por uma musicalidade intrínseca que mobiliza e praticamente domina os demais elementos da trama.
Assim é, por exemplo, com Mar Morto, de Jorge Amado, em que o lirismo das frases assoma de maneira que o texto se aproxima em muito da prosa poética. Já o vigor euclidiano constrói um romance-reportagem em que se sucedem períodos longos e curtos, dando origem, assim, a um ritmo original e vivíssimo em uma narrativa inaugural, em vários aspectos, em nossas letras.
É pela mesma vereda que Carina Lessa se intromete nessa singular aventura ficcional que é Aborto. Entretanto, deixando de lado a poética amadiana ou os jogos rítmicos cheios de dissonância de Euclides da Cunha, a autora apresenta aqui uma proposta ainda mais radical, pois logra extrair de fraseados em geral curtos e diretos o ritmo que vai ditar sua narrativa. Leitura para ver, para ouvir, para falar em voz alta: a delícia da palavra que se extrai do pouco.