LiteraturaRenato Cardoso

Série: Literatura – Cap.#04 – Conto: “O Classicismo e o Renascimento do ser humano” – Prof. Renato Cardoso

Série publicada quinzenalmente às sextas na Revista Entre Poetas & Poesias - Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Meu tio era uma pessoa muito calma, na dele. Ninguém ouvia sua voz quando estava em casa, pois sempre estava lendo um livro ou vendo algum documentário na televisão. A história, da próxima escola literária, nasceu no dia em que meu tio José resolveu reviver os museus (outra grande paixão dele). A nossa visita (digo nossa, pois ele havia me convidado) teve que ser virtual, pois na minha cidade não há museus.

Era um sábado pela manhã, não passava das 10 horas ainda, quando cheguei à casa da vovó Gertrudes. Ela me recebeu com um carinhoso abraço e me convidou a sentar a mesa com eles para tomar café da manhã (vovó sabia, como ninguém, preparar aquele café). Assim que terminamos, meu tio me chamou para irmos à sala. Ele conectou a internet na Smart tv, acessou o Google e abriu uma página que disponibilizava o acervo digitalizado de diversos museus mundo a fora.

O primeiro museu a ser visitado foi o Museu do Louvre na França. Ele colocou na tela o quadro Mona Lisa de Leonardo da Vinci (acho que ele fez de propósito, ele queria explicar a terceira escola literária). “Você conhece?” – me perguntou. “Sim” – respondi – “É a Mona Lisa de Da Vinci, certo?”. “Perfeito” – retrucou orgulhoso – “mas você sabe quando foi pintada?”. “Não” – respondi curioso (lembra que eu disse que ele tinha feito de propósito? Então…).

“Garoto, esta tela foi pintada no período do Renascimento. Período iniciado no século XIII e finalizado no século XVI, transição entre a Idade Media e a Idade Moderna, entre o sistema feudal e o capitalismo. Agora não estou falando propriamente de uma escola literária, pois o Renascimento (ao contrário do Trovadorismo e do Humanismo) não retratou somente a literatura. O Renascimento foi uma ruptura total com o pensamento medieval, reafirmando aquilo que te expliquei anteriormente sobre o pensamento de liberdade, que o homem medieval começou a despertar no Humanismo. O saber, neste período, expandiu-se nas mais diferentes áreas do conhecimento, seja na literatura, na pintura, na ciência, na filosofia, na política, entre outros” – explicou atentamente meu tio.

Eu ficava espantado com a sabedoria dele. Uma simples imagem numa televisão gerou toda essa conversa. Enquanto as outras pinturas iam passando, ele continuou explicando:

“O Renascimento começou na Itália, incentivado pelo movimento das grandes navegações, pois a região italiana era rota comercial para norte da África e para Ásia. A toda essa movimentação deu-se o nome de mercantilismo (início do sistema capitalista atual). Com isso, os burgos (nome dado as cidades) começaram a se desenvolver, tornando-se grandes centros urbanos da época. A sociedade era formada por burgueses (pessoas ricas e estudadas, compostas por artistas, intelectuais, filósofos e mecenas). Atenção para este último grupo, pois eles que financiaram boa parte da arte renascentista”.

As obras de Da Vinci iam passado uma a uma na tela da televisão, e como se fosse um programa e ele ia me explicando sobre o período citado. Imagina se na TV passasse obras de arte invés de novelas? Seria a perfeição! Mas como não queria perder nem um segundo desta explicação, deixei meu tio continuar.

“A burguesia crescente, para mostrar seu poder de influência, financiava artistas para pintarem afrescos (pinturas feitas em muros). O homem não estava mais em conflito. O antropocentrismo já figurava com destaque na mente das pessoas. A cultura assumia uma postura laica, ou seja, se libertava da religião. A verdade, antes entregue aos escritos bíblicos, encontrava agora no racionalismo a experimentação para a comprovação das coisas. Teorias e mais teorias iam nascendo, porém tudo com seu devido cuidado para não se opor ao governo do monarca (o poder antes descentralizado, passou a ser somente do rei, ou seja, ele detinha o poder absoluto. O que chamaríamos de Absolutismo)”.

Não sei se foi pensado, mas minha avó colocou uma música de fundo. Ela escolheu “Moonlight Sonata” de Beethoven, ela se sentou em sua cadeira e ficou escutando a nossa conversa. Naquele momento, uma lágrima escorreu de seu rosto. Acho que se lembrou do meu avô Geraldo, mas mostrando que tudo estava bem, ela fez um sinal para que meu tio prosseguisse.

“O homem renascentista se reconhecia como um ser individual, livre. Ele via a natureza e buscava com ela uma integração, queria se ver como parte integrante. O ser humano era valorizado. A busca pelo belo passou a ser a máxima dos artistas da época, que se inspiravam na cultura greco-romana para suas composições. Belas esculturas foram feitas, copiando perfeitamente a figura humana. Na pintura, a tinta a óleo entrava em cena. A Igreja, para reagir ao incentivo dos burgueses aos artistas, começou a fazer, na figura dos papas, a função de mecenas. Grandes templos religiosos tiveram seus tetos pintados por grandes pintores da era, a Capela Sistina, talvez, seja a mais conhecida”.

“Na literatura, os grandes feitos heroicos, exaltando as conquistas e as nações, eram descritos nas obras épicas. Já os costumes medievais eram ridicularizados nas obras satíricas. Foi um período, onde o mundo pode conhecer diversos gênios. Imagina você poder assistir as criações de Miguel de Cervantes, Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Shakespeare, Camões, Maquiavel e Dante Alighieri? Feliz foi o homem que viveu nestes anos. A arte era representada na sua essencial mais sublime. Esses, sim, poderiam ser chamados de artistas” – explicou com ar de admiração.

A vovó queria bater palmas, mas ficou quietinha, pois sabia que ele ainda não havia terminado (depois ela me confessou que meu avô fazia a mesma coisa com os filhos e que meu tio havia puxado isso dele). Fiquei pensando como seria se o vovô fosse vivo? Como seria uma conversa entre os dois?

“Menino, não disse estes nomes à toa. Falar do Renascimento sem citar estes nomes é a mesma coisa que morar no Rio de Janeiro e não torcer pelo Flamengo. Mas tem uma coisa que precisa saber e que ainda não disse. O nome Renascimento foi dado a toda essa manifestação de ruptura com a Idade Média, mas quanto nos atemos somente às artes ele assume outro nome, Classicismo. Entendeu?”.

“Claro” – respondi sem perder tempo. Queria saber quem eram esses grandes nomes nos quais meu tio José falava com tanta admiração, pois se despertava nele tamanho respeito, era motivo para eu querer conhecer.

“Prometo que em um momento oportuno lhe chamarei para falar somente sobre autores e artistas consagrados. Passarei rapidamente pelos nomes que falei, pois são os principais deste período. O primeiro é Dante Alighieri, autor da “Divina Comédia”, que retratou em sua obra a busca pela amada Beatriz. Para este encontro, Dante passou pelo inferno, pelo purgatório e pelo paraíso. O que chamou mais atenção foi o inferno de Dante, pois nele até os papas (clero) estavam pagando seus pecados. A imagem infernal era descrita como um cone voltado para o centro da Terra. As camadas mais estreitas eram reservadas para pessoas que cometeram graus altíssimos de pecados. Nele, Dante encontra personagens famosos de outrora ou de sua época e lá discutiam sobre fé, religião, filosofia e ciência. O segundo nome é Nicolau Maquiavel, autor de “O Príncipe”. Nesta obra, Maquiavel propôs o fortalecimento do Estado. O livro surgiu como se fosse um manual político da era moderna”.

Ele só havia falado de dois dos sete nomes que citou e eu já estava maravilhado. Pena não poder dizer o mesmo da minha época. Uma era cheia de artistas vazios, sem conteúdos, mas com um ego e uma vaidade lá em cima.

“Presta atenção aqui! O terceiro nome é William Shakespeare, autor de diversas obras fantásticas, como: Hamlet, Romeu e Julieta, MacBeth, entre outras. Um ser tão genial, que duvidaram até de sua existência. E olha que naquela época ele era dito popular. Imagina agora? Shakespeare ficou famoso por suas críticas ácidas aos costumes da corte inglesa e por temas que nos levavam a reflexão filosófica (veja Romeu e Julieta, ame ou morra). O seguinte é Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote. Nesta obra, Cervantes criticou a cavalaria e as cruzadas de uma forma irônica e engraçada. Há quem diga que Shakespeare e Cervantes morreram no mesmo dia, em 23 de abril de 1616. Citando o último nome da parte literária (repito que existem outros nomes que mereciam estar aqui, mas deixarei para outra oportunidade, como: Erasmo de Roterdã e Thomas Morus), chegamos a Luis de Camões, autor de “Os Lusíadas”. O maior escritor de língua portuguesa, a obra dele foi dividida em lírica e épica. A primeira, marcada pelos seus sonetos, falava de amor e do desconserto do mundo em versos decassílabos ou em redondilha maior (um deles virou até música na voz de Renato Russo). Já a segunda, mostrava os feitos heroicos dos grandes navegantes portugueses da época. Exaltava Portugal e mostrava seu poderio no período das Grandes Navegações. “Os Lusíadas” descreveu a viagem de Vasco da Gama as Índias”.

“Quanta informação!” – pensava. A cabeça fervilhava. Queria ler cada obra que ele ia falando. Por incrível que pareça, ele leu todas elas e as tem guardadas em sua biblioteca. Mas voltando aos dois nomes finais, concluiu:

“O Classicismo foi a primeira escola literária que ampliou sua visão de arte, não ficando ligada somente a literatura. Nas artes plásticas, temos nomes como Michelangelo e Leonardo Da Vinci (depois estude também sobre Donatelo e Rafael). O primeiro, reconhecido por ser polemico com a Igreja, por enaltecer o humanismo, por buscar a perfeição na retratação da forma humana, por equilibrar as proporções do corpo humano, por considerar o nu como natural (como parte integrante da natureza). Sua obra foi “O Ato da Criação”, onde ele pôs Adão e Deus lado a lado, mostrando que o homem não precisava mais ser temerário a Deus, e que podia com Ele conversar. E para finalizar, a grande mente dos séculos XV e XVI, talvez a grande mente da humanidade depois de Jesus Cristo, Leonardo Da Vinci. Ele não foi somente pintor, mas também poeta, biólogo, engenheiro, inventor e por aí vai… Ele foi o autor da obra “A última ceia”, obra esta que retratava a última ceia que Jesus teve com seus apóstolos antes da crucificação”.

Ousei interromper e perguntei: “Ele desenhou “O Homem Vitruviano”, certo?”.

“Isso! Não só “O Homem Vitruviano”, que marcava o interesse dele pela anatomia humana, mas diversos outros quadros e desenhos que tentamos desvendar até hoje. Há quem diga que existe um certo ocultismo por trás das obras de Da Vinci. Você sabe que ele criou um protótipo do seria o submarino hoje, e projetou uma máquina que anos mais tarde inspiraria o helicóptero? Ele foi fantástico. Vai merecer um encontro só para falar sobre ele. Mas finalizando… Leonardo Da Vinci ficou conhecido pelo uso da perspectiva, das cores próximas a realidade, da retração perfeita do homem, pelos temas religiosos, por usar a matemática em suas telas, por usar a imagem principal da tela centralizada e ter uma paisagem de fundo (que muita das vezes nos passavam mensagens subliminares ou futurísticas), por ver o homem com sentimento e retratar este sentimento e, por fim, estudar a anatomia”.

Nunca imaginei que uma “ida” ao museu fosse me dar tanto conhecimento. Minha avó sorriu, pois via em mim o que ela havia visto no meu tio na mesma idade, mas eu não lia tanto quanto ele. Três horas se passaram, nem percebi. Minha mãe já tinha chegado para me buscar, estava na hora de almoçar. Agradeci meu tio José, beijei minha avó e sai contando tudo que aprendi para minha mãe.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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