Série: Quarenta, é sério? – Cap.#10 – Crônica: “Tratar bem e receber o bem” – Renato Cardoso

Série publicada quinzenalmente às sextas na Revista Entre Poetas & Poesias - Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Fazendo uma breve pausa na descrição cronológica das ações acontecidas, quero passar para você, leitor, uma reflexão a cerca de como tratamos as pessoas. Aquilo que será descrito aqui, num primeiro momento, pode parecer ingênuo e, até mesmo, indigno de está em um livro, mas são nos atos simples que estão as maiores memórias.

Desde que cheguei ao hospital, sempre fiz questão de enaltecer o trabalho dos profissionais de saúde. Só quem foi internado sabe o quanto eles trabalharam (e trabalharam muito). Técnicos, enfermeiros, médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, maqueiros, entre outros, todos se dedicavam ao máximo.

Confesso que quando fui atendido na UPA, a médica não me deu muita atenção, mas a percepção da enfermeira na hora, foi o que fez toda a diferença. Sentia o carinho que todos tinham com quem chegava com Covid. Procurei sempre conversar com todos eles (e conversava muito, pois confesso que falo bastante).

Na minha segunda noite no hospital, quando finalmente consegui dormir para valer, eu estava com dois cobertores (um parecido com que chamávamos de pelo de rato e outro de tecido bem grosso). Peguei o primeiro e tentei fazer um travesseiro, pois como não podia dormir de barriga para cima e estava ligado ao aparelho, não conseguia dormir sem algo para apoiar a cabeça.

Não queria dar trabalho a ninguém, logo não pedi nada a ninguém, improvisei mesmo, fazendo como se fosse rolo que coloquei e dormir. Fiz o que dava dentro das minhas possibilidades no momento. O improviso deu certo e a segunda noite aconteceu naturalmente.

Como já dito, acordávamos sempre entre cinco e seis da manhã, e a equipe que passava a noite conosco sempre se despedia de nós na manhã seguinte. Buscava elogiar o trabalho e agradecer a atenção dada. Logo em seguida, a equipe que passaria o plantão do dia conosco vinha se apresentar. Desejava um bom trabalho e que Deus abençoasse todos nós.

Na troca do segundo para o terceiro dia (quando fiz o travesseiro), a enfermeira que assumiu na manhã do terceiro chegou justamente quando eu ainda estava dormindo. Ela deve ter percebido a minha tentativa, mas não me disse nada.

Fizemos tudo que tínhamos que fazer, fomos avaliados pelo fisioterapeuta e quando fui tomar meu banho (já relatado aqui), ela aproveitou para fazer o que ela havia observado.

Quando voltei, olhei para cama e vi que tinha algo diferente. Ela pegou o travesseiro improvisado e transformou num travesseiro de verdade, colocando o cobertor bem dobrado e amarrado dentro de um saco transparente.

Aquilo foi um gesto simples, que buscava meu conforto, mas pensa num ato belo para quem estava tão fragilizado. Agradeci muito a ela. Ela sorriu e saiu da enfermaria. De vez em quando, ela aparecia para perguntar como estávamos. Tínhamos mais contato com o técnico de enfermagem, rapaz simpático que nos atendia prontamente sempre que possível.

O dia foi transcorrendo, tudo dentro da rotina que já se fazia. Chegou à noite e o técnico veio conversar conosco, pois estava triste com as atitudes de um senhor da outra enfermaria, que não queria que ele chegasse perto. Conversamos com o rapaz, disse a ele que não ficasse assim, pois o trabalho dele era muito bom.

Ele se acalmou e voltou para o corredor, voltando somente para me dar o clonazepan para dormir. Anoiteceu, dormimos e, como já acostumados, às cinco da manhã estávamos acordando para troca de equipe.

Eles vieram se despedir. Elogiei bastante eles (foi a melhor equipe que peguei durante minha internação). Eles agradeceram. O rapaz foi o primeiro a sair, a enfermeira continuou, pois tinha que verificar se o soro, aparelho estavam ok.

Quando ela chegou perto de mim, agradeci particularmente pelo travesseiro e perguntei o motivo pelo qual ela fez isso. Ela sorriu e me respondeu:

“Quando cheguei vi que você estava buscando um conforto melhor. Perguntei as pessoas que fizeram o plantão anterior, que falaram muito bem de você. Logo que você acordou e viemos nos apresentar, você nos desejou bom trabalho e que Deus nos abençoasse. Quase ninguém faz isso. Por isso, fiz um pequeno ato que pudesse recompensar a boa recepção que tivemos”.

Dei as mãos a ela. Agradeci as palavras e por tudo e disse não a veria mais, pois não estaria mais lá no próximo plantão dela. Ela sorriu e confirmou com a cabeça. Mal sabia eu…

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