Zé Belinha e Zá Belinha – dois seres, uma só alma

– Francisco Roseno de Sousa? Não o conheço! Ou melhor, eu o conheço há anos, mas não sabia.

– E isso pode?

– Claro que pode!

Sou um apreciador da cultura popular. Cresci ouvindo repentes, dançando forró, lendo cordéis, marcando presença nos festejos de santos, ouvindo causos, lendas, história de assombrações e, também, brincando e curtindo reisado. Pois é, fiz tudo isso e mais um pouco. Fui careta de reisado sim, o Poeta, que por coincidência me atribuíram este predicado. Ou será sujeito?

Adorava aquela festa: sapatear, dizer relachos, improvisar, lançar o lenço da sorte… Eu brincava no reisado dos meninos (já rapazinho), mas assistia à apresentação dos adultos. Vi a velha guarda atuando ainda: Pedro Bilinha, Clêbo, Véi Duta, Véi Tarcísio, Chico Canabrava, João Nelsa e… Francisco Roseno de Sousa (?).

Quando começavam a cantar “Tami, tami, Zá Belinha, tami, tami devagar…”, eu me aprochegava ainda mais da roda pra ver a burrinha entrar toda faceira, para logo mais tá aos pinotes. E lá se vinha aquela figura magricela e alegre montada nela, sapateando, vibrando, espalhando alegria pelo ar, como se fosse a melhor coisa que fazia na vida. Podia-se sentir sua alma sair do corpo e dançar pelo terreiro com os caretas e ser aplaudida pelo povão, girando, fogotiando, para o delírio do público, principalmente dos meninos como eu. A harmônica roncava, o triângulo tinia, o zabumba troava… e a burrinha sentia-se a figura mais importante da noite, nem que fosse por aquele breve momento. Aqueles dois seres pareciam fundir-se em um só corpo, uma só alma. E se não foram um só corpo, uniram-se para sempre em um só nome – ou quase.

Pois é, foi daí que Francisco Roseno de Sousa tornou-se Zé Belinha – homônimo quase perfeito de sua inesquecível e eterna parceira de reisado, a quem uniu-se por toda a vida através desse nome artístico. A arte tem dessas coisas. Ela nos transforma, nos dá voz, nova vida e até nos batiza. Taí o exemplo.

Zé Belinha entrou para o reisado ainda na década de 50 por causa do pai, Chico Roseno, que era organizador de reisado. Gostar de reisado estava no sangue da família. O irmão de Zé Belinha era o marchante, e que, quando morreu, Zé Belinha assumiu o posto. E ainda bem que ele deu continuidade à arte, a magia de interpretar, de cantar, de fazer o povo sorrir, se divertir e imortalizar a nossa cultura.

Fiquei sabendo disso ao assistir a uma entrevista que o Caras e Bocas (Companhia Teatral de Reriutaba) fez com o Sr. Francisco Roseno – ou terá sido com o Zé Belinha?

Não sei ao certo. Só sei que Zé Belinha levará sempre Zá Belinha no coração, eternamente. E mesmo que outros ocupem seu lugar, como dever ser, para que a arte prossiga, haverá sempre um espaço no pequeno coração de Zá Belinha, para que ambos continuem sendo para sempre um só.

Nota: Esta crônica foi inspirada em uma entrevista feita por Leomário Muniz Passos, com Francisco Roseno de Sousa (o Zé Belinha), para a peça “Reriutaba: 100 anos de Fulanos, Beltranos e Cicranos”.

Imagem: cedida por @carasebocasciateatral (Leomário Muniz Passos)

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