Nosso Cordel – “Meu derradeiro poema” – João Rodrigues

Meu derradeiro poema

Com a permissão divina
Eu voltei pra relatar
Um caso que aconteceu
E que preciso contar
Se alguém me der ouvido
Ficarei agradecido
Portanto, vou começar.

Toda a cidade dormia
Quando acordei sufocado
O peito batendo fraco
O corpo todo suado
A febre me consumia
Como se uma agonia
Tivesse me dominado.

Sentei na cama ‘inda tonto
Buscando a respiração
O sangue correu nas veias
Levando ar ao pulmão
E quase sem respirar
Mal consegui perscrutar
O pulsar do coração.

Já consciente do fim
(Pois sei que a Morte é suprema)
Peguei caneta e papel
Depressa pensei num tema
Disse: “Antes de morrer,
Senhor, me deixe escrever
Meu derradeiro poema.”

Andei até a varanda
A noite estava calada
O céu, um mar de estrelas
A lua, bela e prateada
Já caindo no poente
Vi uma estrela cadente
No céu deixando a pegada.

Toda a galáxia brilhava
E cada constelação
Olhava pra mim sorrindo
(Ou talvez fosse ilusão)
Falei sozinho pra mim:
“Se for agora o meu fim
Que bela recepção!”

Por estar contaminado
Com o vírus traiçoeiro
Que mata e causa terror
Afligindo o mundo inteiro
Pensei: “Findou minha sorte!”
E as cinco letras da Morte
Vi escritas no Cruzeiro.

As cinco letras piscavam
Cada vez mais cintilantes
Todas as constelações
Estavam bem mais brilhantes
A lua transformou-se em chama
Resolvi passar na cama
Meus derradeiros instantes.

A minha família estava
Profundamente dormindo
Meus cachorros me olharam
Como que se despedindo
O mundo pôs-se a girar
Nos pulmões senti meu ar
Pouco a pouco se extinguindo.

De repente, em minha volta
Era tudo escuridão
Não senti calor da cama
Muito menos frio do chão
Nada mais eu vi também
Mas eu senti quando alguém
Segurou na minha mão.

A mão era calorosa
Passava grande energia
Algo que jamais senti
Nas minhas veias corria
Aquela energia correndo
Ia pouco a pouco aquecendo
A minha matéria fria.

Passados alguns segundos
A escuridão sumiu
Um lindo jardim florido
Na minha frente surgiu
E um belo portão dourado
Por dois anjos ladeado
Diante de mim se abriu.

Não olhei bem os detalhes
Estava meio assustado
Mas notei que era outro mundo
E fiquei extasiado
Era um salão espaçoso
Magnífico, suntuoso
Ricamente decorado.

Então, surgiu Gabriel
E disse: “Caro Poeta,
Na minha agenda diz que
Você já cumpriu a meta
É hora de sua passagem
Prepare-se pra viagem
Pois sua missão tá completa.

Ele chamou um arcanjo
E disse: “Faça um favor,
Pegue a ficha deste homem
No Salão do Salvador
Pois antes de ele embarcar
Preciso verificar
Quais as ordens do Senhor.”

Depressa voltou o arcanjo
Com uma cara assustada
Ouvi dizer: “Gabriel,
Tem alguma coisa errada.
Olhe só esta mensagem
Afirma aqui que a passagem
Foi há pouco cancelada.”

Gabriel fez lá um gesto
Pediu para eu aguardar
Olhou bem o pergaminho
Depois de o observar
Com a voz forte e direta
Me disse: “Caro Poeta,
Você terá que voltar.”

Olhando bem nos meus olhos
Segurando a minha mão
Me disse: “O Senhor ouviu
Seu poemas com atenção
E os analisando bem
Viu que seus poemas têm
Verso, rima e oração.

“Mas não falo da oração
Pelos poetas chamada
Que traz significado…
Muito bem metrificada…
Eu falo da oração
Feita com seu coração
E da mensagem passada.

“Seus poemas passam fé
Amor, paz e confiança…
Sua voz é voz dos sem-voz
Do mais frágil, da criança…
A voz de quem acredita
E cada estrofe que é escrita
Enche o mundo de esperança.

“Quando acordou assustado
Nas mãos da Morte Suprema
Você não temeu o fim
Nem o viu como um problema
Não pediu pra não morrer
Mas que pudesse escrever
Seu derradeiro poema.

“Só age assim quem, de fato,
Escreve com muito amor
E acredita no que faz
Isso é digno de louvor!
Antes de você voltar
Por favor, queira escutar
O que lhe diz o Senhor:”

‘Poeta, hoje seria
Seu último dia de missão
Você cumpriu seu papel
Linha a linha neste chão
Mas chegando ao meu ouvido
Seu derradeiro pedido
Mexeu com meu coração.

‘Sempre tenho acompanhado
Seus poemas todo dia
São feitos com esperança
Fé, paz, amor, alegria…
Que aquecem corações
Verdadeiras orações
Em forma de poesia.

‘Portanto, volte pra Terra
Por tempo indeterminado
Continue com seus poemas
Que ao mundo tem encantado
Levando fé, esperança
Paz, amor e confiança
E a muitos têm consolado.

‘Sua poesia é sensível
Bem gostosa de se ler
E nos poemas seguintes
Que você for escrever
Quando estiver inspirado
Ponha nele o meu recado
Que ao mundo quero dizer:

‘Cuidem do planeta Terra
Escutem dele o clamor
Preservem mares e rios
Cada bicho, cada flor
Pois isso tudo eu criei
E a vocês presenteei
Com grande alegria e amor.

‘Jamais sejam falsos crentes
Não usem meu nome em vão
Não é igreja quem salva
Nem mesmo religião
Não cobrem por mim um preço
Pois saibam que eu conheço
Todo e qualquer coração.

‘Vivam mais, perdoem mais
Pratiquem o verbo Amar
Não invejem, não cobicem
Trabalhem pra conquistar
Mas não vivam na avareza
Porque do mundo a riqueza
Ninguém poderá levar.’

“Agora volte pra Terra
Semeie a perseverança
Em cada poema seu
Ponha fé, paz, confiança
Perdão, amor, alegria…
Que seja a sua poesia
A bandeira da esperança.”

Sem poder acreditar
No que acabei de ouvir
Olhei para Gabriel
Que me olhava a sorrir
E ele, na minha frente,
Me disse tranquilamente:
“Tá na hora de partir.”

Assim, retornei à vida
A Deus tenho gratidão
Por me dar mais uma chance
De seguir minha missão
Que é plantar poesia
Toda hora, todo dia
Em cada canto do chão.

João Rodrigues – Reriutaba – Ceará

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/escrivaninha-tinta-pluma-pena-1869579/

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