Estou cansado de amenidades

Olha, deixa eu te contar um negócio: estou cansado das amenidades. Corações, palavras de bom dia, belos dizeres ao amanhecer. Impossível ser ponderado nestes tempos. Quero o lirismo dos rabugentos.

Estou de saco cheio dessa visão de arte edificante, com passarinhos saindo de dentro de livros abertos no colo de crianças sorrindo. Quero a crueza das coisas que incomodam, com o tempero daqueles que raciocinam demasiadamente, fundindo o cérebro em verdades incômodas, percebendo o teatro que nos rodeia e do qual fazemos parte em troca de alguns trocados.

Sabe, não quero mais ter a obrigação de ter que ser feliz. Se for feliz, que o seja naturalmente, e não por necessidade de agradar essas pessoas todas. Antes de dormir, quero, inclusive, estar feliz frente a todas as incertezas da vida.

Não quero ter paciência com esses livros de autoajuda escritos para serem lidos por senhoras de classe média sentadas em varandas cheias de flores. É fácil ter esperança quando não é necessário ter esperança. Quero Raskólnikov e Samsa gritando: não é nada disso. Assim mesmo, palavras cruas com sentidos diretos, óbvios e por isso mesmo indigestos. Pedra. Pedra nessas varandas cheias de flores.

Estou cansado dessas amenidades que se desenham nos sorrisos dessas apresentadoras de televisão e ecoam por palestras educacionais. Quero ver o intestino das coisas. O cheiro. A cor. O sangue.

Não há espaço para meio-termo. É tudo ou quase nada.

 

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/depress%c3%a3o-tristeza-homem-anexo-2912424/

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