João Rodrigues

A morte não manda recado

 

“Da vida só sei o dia que nasci

Não sei quanto tempo Deus deu para mim

Talvez o meu tempo se arraste no tempo

Talvez seja como fogo no capim

Por isso, meu tempo eu aproveito bem

Pois nunca se sabe o tempo do fim”.

Hoje, esta primeira estrofe de um poema de minha autoria, “O tempo”, não me sai da cabeça. Pois é, às vezes fico me perguntando quanto tempo ainda tenho por aqui. Embora eu não queira saber de fato (pois ficaria louco se soubesse), quando notícias de falecimento de alguém conhecido chegam até mim, esta pergunta é inevitável.

Ontem à noite tive a ingrata notícia da morte de um padrinho meu, que mora em uma cidade vizinha à minha, e o vi pela última vez faz uns meses, quando esteve doente. Quando cheguei pra visitá-lo, ele já estava bem novamente. Conversamos, falamos do tempo que ficamos sem nos ver e acabou com aquela conversa de que nos veríamos em breve e que não poderíamos ficar sem nos ver por tanto tempo.

Lamentavelmente a promessa não foi cumprida. Por quê? A correria do dia a dia é sempre a principal explicação. Trabalho demais. Compromisso demais. Cansaço demais. Mas no fim notamos que é vontade de menos. No dia do velório, do sepultamento, sempre arranjamos tempo na nossa apertada agenda para uma última despedida. Quer dizer, só quem fica é que se despede, pois quem está partindo não tem mais como se despedir.

Dele, vão ficar as boas lembranças. Mas agora percebi que poderia haver mais boas lembranças, já que a morte é inevitável. Poderíamos ter nos vistos mais, conversado mais, rido mais, trocado experiências. No entanto, agora só o que me resta é uma visita, também apressada, para um último adeus e dar os pêsames aos parentes.

Queria eu, a partir de hoje, aprender que as pessoas queridas devem ser vistas sempre, de vez em quando, ter um lugar privilegiado na nossa agenda lotada, pois a morte não manda recado. Quando pensamos que não, um amigo, um parente, um padrinho se foi, assim, de repente, sem nem mesmo nos dar um tempinho para uma despedida, por mais breve que seja. Ou, quem sabe, nós mesmos, assim, de repente, partimos sem dar aos amigos a oportunidade de um adeus, por breve que seja.

Precisamos estar atentos, pois o último adeus pode ser a qualquer momento, assim, do nada. E quando passamos dos 50, temos, ainda mais, que rever nossa agenda, nosso tempo, nossa correria. Precisamos entender que pessoas são finitas, porém os compromissos e o trabalho não.

Bem, eu gostaria de escrever mais um pouco, mas me lembrei de que preciso sair para mais um velório. Entretanto, amanhã, sairei para visitar os que ainda estão por aqui. Assim espero.

Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/cemit%C3%A9rio-l%C3%A1pide-cova-escultura-349600/

Mostrar mais

João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo