Ze Arnaldo

Quem cala consente

Religião sempre foi um troço chato, pra mim. Na infância, minha mãe bem que tentou. Levava-me à igreja religiosamente aos domingos. Mas eu não gostava, não. Tinha medo das imagens dos santos, não entendia bem o que o padre lá na frente dizia, e o cheiro de vela e incenso me deixava enjoado. Além disso, achava a missa entediante: enquanto o pároco falava, numa língua estranha, eu escalava o Botafogo e a Seleção Brasileira, prestava atenção às pessoas presentes, imaginava histórias, cochilava. 

Cansado do catolicismo, tentei professar a minha fé por outras vias. Por causa de um amigo e da boa música que rolava lá, frequentei cultos protestantes, sem sucesso. Uma namorada me levou para a umbanda e, por um tempo, a beleza do rito e a força dos batuques me seduziram; pouco depois, ela me largou, e eu larguei o terreiro. Uma professora me convenceu a ir a uma sinagoga e, por conta própria, testei um templo budista. Senti-me desamparado em todos esses lugares: o Deus que estava em mim, ou imaginava que estivesse, não entrava comigo em nenhuma dessas moradas; pulava fora, mal eu me aproximava.

Assim, sou religioso de ocasião. Em sala de embarque de aeroporto e naqueles últimos momentos de lucidez que antecedem uma cirurgia, rezo como uma beata. Creio em Deus, mas não cultivo nossa amizade como deveria. Vou pouco ao seu encontro, também porque, como disse ali em cima, não sei direito onde ele mora, falto aos seus festejos e, muitas vezes, não respondo aos seus chamados. Mas ele é mesmo como um pai e não desiste de mim de jeito nenhum. 

Converso com Deus de vez em quando, à distância. Assim como nós fazemos com os pais, depois que ficamos adultos e seguimos nosso rumo na vida. Sabe aquela ligação semanal, em que se promete à mãe uma visita no fim de semana, que acaba sendo cancelada, na véspera do encontro, por razões diversas? Pois é desse jeitinho que faço. Prometo visitá-la mais vezes, juro de pés juntos que serei mais presente, que levarei as oferendas pedidas, que ajudarei mais nas tarefas diárias. E, miseravelmente, não cumpro nenhuma das promessas.

Quando rezo, naquelas situações de enorme dramaticidade, em que até os ateus históricos põem-se de joelhos, começo pedindo perdão. Na crença de que ele me perdoará – pra quem perdoou um bandido, feito Barrabás, meus pecados são fichinha – faço enfim meus pedidos: viver com saúde, continuar empregado, salvar a mim ou um dos meus de um perigo iminente… E sempre agradeço antecipadamente a atenção dispensada, na certeza, óbvia, de que, mais um vez, serei salvo. Como em nossos papos sempre sou somente eu que falo, Ele só escuta, saio certo de que serei atendido. Afinal, quem cala consente.

Link da imagem: https://pixabay.com/illustrations/maundy-thursday-holy-thursday-7870823/

Mostrar mais

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo