Ze Arnaldo

Caso de cemitério

Os irmãos brincavam na vila, com os colegas, quando a mãe veio lá de dentro da casa, como um furacão.

– Os dois, já pra dentro, A-GO-RA!

Sem pestanejar, a dupla entrou. A mãe falava ao telefone, descontrolada, enquanto abria gavetas e tirava de lá, sem nenhum critério, os shorts e blusas que os meninos deviam vestir.

– Ponham isso, JÁ!

O mais velho dos garotos, percebendo a mãe, normalmente irascível, num dia especialmente ruim, tapou a boca do irmão mais novo, que ia protestar contra a roupa que ela lhe dera para vestir. 

Sem que eles estivessem prontos para sair (ainda faltava amarrar um pé de sapato ou abotoar a camisa), a mãe tomou os dois pelas mãos e os arrastou porta a fora.

Na rua, soltou a mão do mais velho e fez sinal para os táxis que passavam. O terceiro parou.

Ela jogou os meninos na parte detrás do carro e sentou ao lado, empurrando-os com as ancas.

– Pro Caju, moço, RÁ-PI-DO!

Os dois irmãos se entreolharam. O mais velho, num gesto de coragem, resolveu arriscar:

– Quem morreu, mãe?

Um segundo antes de explodir em lágrimas, ela disse:

– Seu avô!!!

O menor, surpreso e com cara de choro, perguntou?

– Vô Benvindo?

A mãe, entre soluços:

– Meu pai!

O menor, para o mais velho:

– Quem é o pai da mamãe? É o vô Benvindo?

O maior, entredentes:

– Não! É o portuga. E cala essa boca!

O menor, aliviado, enxugou a lágrima que estava vindo, mas não conseguiu segurar um “Ainda bem…”, deixando clara sua preferência.

A mãe, descontrolada, batia a testa no banco da frente, a lamentar-se pela morte do pai. Ainda mais naquela situação. Eles haviam brigado havia um mês e ela disse, na ocasião, que não queria mais vê-lo na vida. E, os filhos sabiam, ela não era mulher de descumprir uma ameaça.

– Por quê? Por quê, meu Deus? Ela chorava arrependida e triste.

O táxi parou na frente do cemitério. A mãe pegou o dinheiro na bolsa e não esperou pelo troco. Puxou os meninos de dentro do carro e os arrastou pelo corredor central da necrópole, lendo as letras das capelas. Logo à frente, viu uma de suas irmãs em frente a uma delas e correu para lá.

A irmã veio até ela para lhe dizer algo, mas ela não deu ouvidos.

Afastou-a com uma das mãos, largou os filhos no caminho e irrompeu pela sala de velório onde estava o seu pai. Histérica, jogou-se sobre o corpo defunto e, convulsivamente, começou a chorar e a pedir perdão.

Os meninos foram entrando devagar, um pouco depois, sem saber bem o que fazer.

O maior não encontrou nenhum rosto conhecido e estranhou as expressões de surpresa que os presentes estampavam nos rostos. Logo percebeu que o motivo do espanto era a presença da mãe.

Depois de uns segundos de choro copioso, a mãe, de repente, parou. Olhou para o defunto ao qual estava agarrada e se afastou num salto, espantada:

– Cadê meu pai? Esse não é o meu pai?

As pessoas em volta, mais surpresas e assustadas ainda, não conseguiram dizer nada.

Da porta da capela, a tia, que ficara lá fora, chamava com sussurros pela irmã?

– Célia! Célia! Não é aí! Vem?

A mãe, desconcertada, recompôs-se. Ergueu o queixo, tomou os meninos um em cada mão e saiu. Já na porta, virou-se para os poucos e atônitos parentes do morto e disse:

– Meus sentimentos.

Lá fora, descarregou seu ódio na irmã:

– Onde você escondeu o papai?

– Não escondi nada. Ele está ali, naquela capela!

A mãe olhou-a furiosa por alguns segundos. Depois, marchou com os filhos para onde estava seu pai. Ressabiada, antes de cair em prantos, examinou bem o corpo e, aí sim, retomou, impávida, do ponto em que tinha parado, a cena que começara pouco antes na capela errada. Podia, enfim, chorar o defunto certo.

 

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