Resenha – Cap.#03 – Livro: “A Mentiras que os homens contam”, de Luis Fernando Veríssimo
@professorrrenatocardoso
“A Mentiras que os homens contam” é uma coletânea de crônicas do escritor brasileiro Luis Fernando Veríssimo, publicada originalmente em 2000. Este livro apresenta uma série de histórias curtas, repletas de humor e ironia, que exploram as nuances das relações humanas, especialmente entre homens e mulheres, através do prisma das mentiras cotidianas.
Veríssimo, conhecido por seu estilo leve e sua habilidade de encontrar humor nas situações mais banais, utiliza-se das crônicas para abordar temas comuns e universais. As mentiras, pequenas ou grandes, são retratadas como parte inevitável do comportamento humano. Com uma prosa fluida e diálogos ágeis, Veríssimo cria personagens e situações com os quais o leitor pode facilmente se identificar.
O autor inicia o livro mostrando as simples mentiras nas quais somos levados a contar durante a vida, como: mentiras para não ir à escola, mentiras pra conquista, dentro dos relacionamentos. Continua na sua primeira crônica, “Grande Edgar”, mostrando o grande constrangimento de encontrar alguém na rua e não se lembrar de seu nome.
A temática das mentiras é tratada com leveza e inteligência. Veríssimo não se limita a condenar moralmente seus personagens, mas sim a explorar as razões por trás das mentiras que todos contamos. Esse olhar compassivo e divertido é uma das marcas registradas do autor, e a entrevista reforça essa visão, mostrando que o humor é um meio para desarmar o leitor e convidá-lo a refletir.
Na crônica “Sebo”, a personagem busca agradar o escritor dizendo que havia lido seu livro, porém mal sabia que quem lia morria, pois o escritor não queria que as pessoas lessem o cacófato que existia nele. Já nas crônicas “Trapezista”, “Aliança” e “Farsa”, Veríssimo narra as mentiras que podem ser revertidas e transformadas em verdades, seja por simplesmente contar uma verdade que não seria crível, ou por reverter uma situação nítida de traição, seja desvirtuando a verdade ou transformando o mentiroso em vítima.
O autor tem um talento especial para a observação das idiossincrasias humanas. Ele disseca com precisão as justificativas e as racionalizações que as pessoas usam para se enganar a si mesmas, como nas crônicas “Tios”, “Espelhos”, “Ascendências”. Em vez de condenar moralmente as mentiras, Veríssimo opta por uma abordagem mais cômica e compassiva, reconhecendo que, muitas vezes, as mentiras são motivadas por boas intenções ou pela simples necessidade de tornar a vida mais suportável, temos como grandes exemplos as crônicas ”O Sítio de Ferreirinha” (onde o médico mente para o paciente para que ele se motive a emagrecer), e “Exéquias” (onde a personagem mente sobre a importância do amigo falecido, só para que o mesmo tenha o devido reconhecimento que para a personagem, ele merecia).
Algumas das crônicas mais memoráveis do livro incluem “Homem que é Homem”, onde Veríssimo mostra a questão do estereótipo masculino, questionando a amizade entre homens e mulheres, frequentar restaurantes franceses, roupas e até mesmo fazer os testes que o próprio livro propunha e “A Brincadeira”, que narra a história de um personagem que diz tudo saber e com isso, por meio do medo dos outros, adquire a confiança e reputação, mas no final acaba morrendo, pois “sabia demais”.
Não podendo deixar de fora a crônica “Lar desfeito”, que mostra o questionamento dos filhos de um casal deles nunca brigarem, chegando a narrar que os filhos tinham inveja dos amigos, pois os mesmos passavam por situações de brigas em casa e, até mesmo, divórcio e eles não. O casal por fim opta por mentir e fingir que brigavam e acabam se separando para agradar os filhos, porém se encontram as escondidas até o dia que eles possam voltar. Esses textos exemplificam a capacidade de Veríssimo de criar situações absurdas e, ao mesmo tempo, totalmente verossímeis.
No entanto, a leveza do livro pode ser vista como uma faca de dois gumes. Embora o humor e a sagacidade sejam marcas registradas de Veríssimo, algumas crônicas podem parecer superficiais ou repetitivas, especialmente para leitores que preferem narrativas mais densas e profundas. Além disso, a insistência na temática das mentiras pode, por vezes, parecer um pouco monótona, apesar da variedade de abordagens.
Outras temáticas trabalhadas por Luís Fernando Veríssimo são: a discussão sobre a real identidade nas crônicas “Espelhos” e “O Verdadeiro José”; sobre a questão da inteligência inventada para impressionar o próximo como no texto “Nobel”, assim como a questão do assédio sexual na crônica “Seu corpo” e em busca do interesse próprio como em “Os moralistas”, “Blefes”, “A mentira” e “Cantadas”.
Por fim, a obra busca mostrar que as pessoas mentem pelos mais diversos motivos, sejam eles por amor, pela conquista, para agradar alguém ou simplesmente para manter a própria imagem, usando uma pseudo-sabedoria como plano de fundo das histórias. A crônica “O Jargão” narra muito bem o uso de frases prontas para disfarçar o que não se sabe. As histórias narradas por Veríssimo são atemporais.
Em suma, “As Mentiras que os Homens Contam” é um livro que encanta pela sua simplicidade e pela perspicácia com que Veríssimo observa o comportamento humano. Ele nos convida a rir de nós mesmos e das nossas imperfeições, oferecendo uma leitura agradável e reflexiva. Para os fãs de crônicas bem-humoradas e para aqueles que apreciam uma análise leve e irônica das relações humanas, este livro é uma excelente escolha.