No final de 2024, circulou uma notícia sobre um robô sul-coreano que teria surtado e cometido suicídio. O motivo para se atirar escada abaixo teria sido um colapso nervoso, após a queima de um fusível por excesso de trabalho. Já, em maio deste ano, numa escola chinesa, estreou um robô professor. Apesar de celebrado, o fato também provocou questionamentos a respeito dos papéis humanos na sociedade pós-moderna. Numa linha semelhante, fala-se sobre a multiplicação e o domínio de conteúdos gerados por inteligência artificial, hoje, se alimentando de material produzido pelas próprias IA, e suas implicações para ética, direitos autorais e falhas de informação, entre outras (ver “teoria da internet morta”).
Eu, da minha parte, não descarto sermos capazes de construir seres sintéticos inteligentes e, inclusive, com sentimentos. Creio, porém, não termos ainda chegado ao estágio de desenvolvimento tecnológico requerido para gerar essas máquinas. Da mesma forma, as polêmicas inteligências artificiais não chegam a sê-lo, pois, até o presente, que se saiba, consistem apenas em modelos super parametrizados, sem real consciência ou autonomia no processo de aprendizagem. Num futuro, talvez nem tão distante, isso possa chegar a acontecer e tenhamos de nos preocupar, tal qual é discutido em tantas produções de ficção científica.
A chance de, ao ocorrer a gênese desses seres, termos um sério problema nas mãos vem sendo alvo de previsões literárias e cinematográficas distópicas, as quais, opino, merecem atenção. E não somente devido ao embate com uma nova forma de vida senciente, mas pelos impactos, aqui e agora, na sociedade: desemprego, manipulação da informação, divulgação de dados imprecisos ou incorretos, enfraquecimento da arte e da ciência autorais, prejuízos a médio e longo prazo à cognição humana. Em todo o caso, as opiniões a respeito da capacidade de as máquinas sentirem são bastante variadas. Vão desde os entusiastas até os que execram a possibilidade. Vemos, assim, afirmações antagônicas, do tipo: “o futuro incrível já chegou”, ou “sencientes são os animais”.
Quero enfatizar esta última frase, porque assisti a uma cena curiosa, que me fez pensar a respeito. Estava cuidando das minhas plantas, quando escutei um piado baixo. Olhei com atenção e localizei um grande filhote sobre o piso de lajotas, num canto lateral do prédio. Estaria ferido? Chamei meu marido e fomos investigar.
Aproximamo-nos com cuidado, para não causar danos nem assustar a ave. De repente, por trás de nós, vinda de uma árvore próxima, surgiu uma fêmea de sabiá laranjeira piando agitada. No alto de um poste vizinho ao edifício, o macho nos observava. Sentimos o nervosismo dos pássaros e intuímos serem os pais que atendiam ao chamado de medo do filhote. Afastamo-nos para não os estressar ainda mais. A fêmea deu um voo rasante sobre nossas cabeças e se juntou ao pequenino, enquanto o macho se manteve de longe, atento, pronto para defender a família contra agressores.
Durante o ocorrido, percebemos piados diferenciados entre eles. Concluímos ser uma forma de comunicação com sinais de alerta. Segundo o ornitólogo William Menq, do canal Planeta Aves, sabiás têm não só diversos cantos para várias situações, como sotaques regionais, já que tais vocalizações são ensinadas e aprendidas.
Além de ter um código de avisos, aquela família parecia haver desenvolvido um programa educativo para sua cria. O pequeno sabiá não tinha caído de um ninho. Estava ali, sozinho, para aprender a buscar comida, se virar, ou voar. Seja como for, essa aparente solidão era supervisionada. Havendo risco, os progenitores logo viriam em socorro.
Nossa arrogância humana deseja criar vida e menospreza a inteligência animal, a sensibilidade vegetal e as próprias pessoas quando são diferentes. Não importa: a despeito de nós, a natureza é maravilhosa! Em cada detalhe, lições se quisermos enxergar.
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Nota da autora: Esta crônica é a versão revisada e atualizada da publicada em 18/12/2024, na Entre Poetas & Poesias, perdida com a migração para o novo site.


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