O que fazia Romeu e Cláudia estarem juntos, casados, era o filho Bartolomeu. O garoto tinha 10 anos, mas os pais tinham mais de casados – uns 15 anos. Não sei a respeito de bodas e isso pouco importa para o recorte desta crônica. O que sei é que essa família é tradicional à brasileira. Portanto, vamos à história.
Romeu era caminhoneiro e vivia viajando. Nessas idas e vindas de sua cidade à Bahia, ou qualquer outro lugar, demorava 15 dias ou mais. Dizem que o motorista de caminhão é possuidor de múltiplas famílias. Romeu nunca deu motivos. Homem probo, íntegro, de reputação ilibada e quase um Santo Tomás de Aquino. Cláudia o amava. Ela era do lar – como hoje se chama dona de casa. Lava. Passa. Seca. Faz almoço. Faz janta. Leva o filho para o colégio. No caso, ela era pai e mãe, porque o marido vivia viajando. Para sustentar a família, claro. Homem honesto. Decente. Um cavalheiro que monta em seu caminhão e vem trazer o sustento para casa.
O Romeu, certo dia, voltou mal da viagem. O que houve é que começou a sentir fortes dores no peito. No lado esquerdo. Começando fraquinha, puxada por uma tensão no braço esquerdo. e por um formigamento. Uma pontada aguda, de repente. Titubeou e cambaleou. Caiu no chão, petrificado como uma estátua, duro. A esposa ligou para a ambulância e o carro veio às pressas. Ficou no hospital, ela, ele e o garoto, filho deles. Romeu confessou antes que fosse tarde demais: tinha outra família. O seguro de vida que ele pagou durante toda a vida, com o dinheiro suado de horas de viagem, deveria ser dividido para a outra família também. Uma revelação bombástica! Como ele conseguiu manter duas famílias por tanto tempo? Cláudia ficou possessa. Nunca havia desconfiado do cônjuge. Quando ela foi berrar com o marido, ele bateu as botas.
O caminhoneiro e marido de Cláudia começou a se mover repentinamente após a morte. Iniciou com uma mexidinha no dedo mindinho. Os médicos se assustaram. Os sinais vitais retornavam rapidamente. “Por um milagre divino, esse santo de seu marido retornou à vida!”, exclamou um médico. Ele nem ficou no hospital por muito tempo. Estava melhor do que antes. Melhor do que nunca! Mas como ficaria o clima em casa? Só se for um de velório, e realmente era desse jeito. A esposa tomava os devidos cuidados com Romeu. Escovar os dentes. Dar banhos. Fazer comida.
E o filho, o Bartolomeu? Ele, como eu, só observava. Cláudia nunca dissera que o garoto não era filho de Romeu. Ela diria, caso ele não houvesse falecido naquele dia. Observa o pequeno Bartolomeu: essa é a Família Tradicional Brasileira. Ressalto: o garoto não sabe nada disso. E nem Romeu. Acho que ninguém sabe, de verdade, o que ocorre por aí, não é?


Deixe um comentário