Ali por meados do mês de outubro, surgem os primeiros sinais. Um enfeite aqui, umas bolas de prata penduradas ali, umas guirlandas acolá… Não dura muito para que tudo esteja impregnado do espírito natalino e para que a cidade tropical ganhe paisagens dignas do Polo Norte, com neve feita de flocos de isopor e chumaços de algodão. Somos, de repente, sufocados por pisca-piscas, rabanadas, pinheiros de todos os tipos e tamanhos, nas casas, no comércio, na portaria do prédio, nos bancos e no trabalho. Os comerciais na TV, no rádio e nos outdoors anunciarão aos berros ou em letras garrafais peru, chester, tender, pernil e bacalhau. Nas repartições e nas lojas, todos usam o gorro do Bom Velhinho, que orna a cabeça também dos ambulantes, nas ruas. Pronto, a gente se dá conta, entre uma corrida e outra, de que o Natal está chegando e, com ele, vem vindo, célere, o fim do ano.
Um mês e pouco depois, os enfeites de Natal que resistem, por esquecimento ou desleixo, aqui e ali, causam-me até repugnância. Não cabe mais um velhinho todo vestido de vermelho subindo nas paredes de um prédio no calor de janeiro, no Rio. Em vez de neve artificial, o que cai do teto agora é confete e serpentina. As máscaras coloridas enfeitam as vitrines, e o que toca agora na JBL ensurdecedora é “Mamãe eu quero” e um samba-enredo clássico de quarenta anos, numa playlist que o gerente da loja baixou da internet, atendendo à primeira opção do google, quando ele digitou “músicas de carnaval” na pesquisa. É a festa de Momo que se anuncia, e é com esse espírito que levaremos a vida nos próximos dois meses.
A gente se assusta, na quarta-feira de cinzas, ao entrar no mercado com a intenção de comprar cerveja pra acompanhar a apuração das notas das escolas de samba: já há ovos de chocolate pendurados nas gôndolas. Um Coelhinho da Páscoa, em tamanho natural, recebe os fregueses em lugar do Momo que estava ali há dois dias, no exato lugar onde esteve até seis de janeiro o Papai Noel, logo à frente do presépio.
Assim se sucedem as datas festivas: vem o Dia das Mães, as lojas se enchem de filhos culpados atrás de um presente para a Rainha do Lar. Os supermercados promovem produtos para o almoço em família, que se reunira pela última vez em volta de uma mesa no Natal, cinco meses antes. Os desnaturados e esquecidos, na manhã do segundo domingo de maio, poderão aliviar um pouco a barra com a progenitora, comprando buquês de flores, que são oferecidos fartamente em cada esquina da cidade pelos vendedores oportunistas.
As festas juninas sinalizam a virada do semestre. É um marco temporal importante: chegamos – já!? – ao meio do ano. Seis meses já se foram, e a gente nem viu por onde eles passaram. Só temos mais seis pra dar conta da vida. “Desse jeito, daqui a pouco é Natal!”, lembra um estraga-prazeres. Pulamos fogueira, pensando no tempo que ficou pra trás. Como era bom soltar balão. E os fogos de artifício? Nada disso pode mais! Não pode mais nada hoje em dia, brada um tio reclamão, para tentar nos convencer de que a vida, antigamente, é que era boa. Sem ar-condicionado? E vidro elétrico? E controle remoto? E Netflix? E wifi? Duvido!
Seguimos a marcha infalível do tempo, que não para, o poeta já disse, nem pra gente calçar os sapatos. As datas comemorativas, no entanto, nos obrigam a olhar para o passado e para o futuro. É como, na estrada, uma placa que nos informa a quantas anda a viagem e o que já ficou pelo caminho. É desse jeito mesmo a vida: passamos por ela sem olhar a paisagem, só seguindo em frente, atrás do destino, correndo sem ver de verdade o que nos atravessa. Nessas pequenas paradas, pausamos um pouco a correria e, pelo menos por alguns dias, nos encontramos, nos abraçamos, nos vemos.
Saudamos os pais, em agosto, a pátria, em setembro, a padroeira, em outubro, junto com as crianças; os mortos, em novembro, inclusive o Zumbi e, coincidentemente, logo em seguida, vem o Natal. Cada uma dessas datas lembra-nos que temos parentes, acima ou abaixo de nós, e que fatos importantes foram realizados não sei direito por quem nem por quê, mas merecem ser lembrados e rendem um feriadinho prolongado, que a gente não é de ferro. Isso nos obriga a parar, um pouco em casa, com aqueles que abandonamos toda manhã no resto do ano.
Temos ainda os aniversários, comemorados pelo menos com um bolinho, numa festinha em que veremos pessoas que julgávamos já mortas, e outras que não saberemos dizer, com certeza, quem são. E falaremos laconicamente da vida, relembraremos fatos para alguns engraçados, falaremos com respeito dos mortos, mesmo aqueles pelos os quais nunca tivemos muita simpatia. E voltaremos para casa pensando “o que é mesmo que eu fui fazer lá?”
E tudo se repetirá, dali a algum tempo, monocordicamente, nessa jornada enfadonha; comeremos e beberemos enquanto reparamos de soslaio que os que não morreram estão cada vez mais encarquilhados, que algumas engordaram bastante e que há até uns ali no meio que parecem felizes. E que, nessas festas, há cada vez menos de nós.

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