No último fim de semana, recebi um meme com a cara das nossas atuais condições climáticas: “URGENTE. CARRO DO OVO CAPOTA NO RIO DE JANEIRO”. Até aí, nada, pois o leitor poderia imaginar, por exemplo, uma corrida atrás dos despojos do acidente. A imagem, porém, dizia tudo: sobre o asfalto, centenas de ovos estrelados, perfeitamente fritos.
Graça aparte, a mensagem retrata bem a sensação térmica geral, nem um pouco cômica. O estado de quase todo mundo com quem tenho conversado por estes dias é de prostração. Minha própria condição (não fazem ideia do esforço para escrever esta crônica) me fez lembrar do quadro de Salvador Dalí: “La Persistencia de la Memoria” (1931). Eu sempre o chamei, com uma permissiva intimidade, de “Derretências”, porque nos apresenta um cenário surrealista, árido, em tons terrosos, com relógios derretidos e deformados sobre estruturas. Hoje, se fôssemos modelos do artista espanhol, poderíamos ver reproduzidos na tela nossos cérebros e partes do corpo esparramados sobre um cáustico panorama urbano, ou uma paisagem natural degradada.
Tudo anda complicado. Tomar sorvete, atividade super convidativa neste calor, se torna uma missão trabalhosa de equilibrar a massa se liquefazendo e escorrendo pelas casquinhas ou dedos. Barras de chocolates se transformam em cremes para lamber ou comer com colher. A água refrescante do banho ou da piscina parece pronta para nos cozinhar numa sopa de gente. E a Prefeitura, nos enchendo de conselhos, alerta: CALOR 4! A coisa é séria e se morre disso.
Quando eu era adolescente, vi na tevê um filme cujo título era algo como “inferno a 40 graus”. Na época, achei gozado, pois tínhamos temperaturas altas no Rio e os efeitos não chegavam perto do descrito, com jeito de cine catástrofe, onde faltava água, os aparelhos de refrigeração não davam conta e as pessoas se esvaíam. Não recordo nem a causa do desastre, nem sua conclusão. Só guardei a temática e minha perplexidade ante o desespero daquele povo.
Agora, não me surpreendo mais. Ao contrário, temo que o filme tenha sido até conservador nas dimensões do evento. Impossível não pensar em como poderíamos minimizar os efeitos do aquecimento global e salvar a nossa pele. Talvez instalando painéis solares nos topos dos edifícios, a fim de gerar energia elétrica mais limpa; plantando muitas árvores pelas calçadas, praças e enchendo de trepadeiras as laterais dos prédios; instalando pavimentos esponja; despoluindo os rios da cidade, para criar corredores líquidos, regar a vegetação, refrescar as pessoas e melhorar as temperaturas. Ideias, várias e românticas ideias. Quem sabe um dia…


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