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Projeto 16 horas – Edição: Fev.25 – Crônica – “A maldição do ciclope” – Cristina Vergnano

A inteligência artificial (IA) vem ocupando os mais variados espaços em nossas vidas digitais, despertando posicionamentos antagônicos sobre seus perigos e contribuições. Por isso, não me importo em resgatar o tema de uma notícia do fim de 2023 sobre um modelo de IA capaz de estimar a data da morte de uma pessoa.

Sua leitura me trouxe à memória um personagem do filme de fantasia e ficção científica Krull (1980). Não era um androide, robô, ou ser sintético senciente, mas um ciclope que me marcou por sua tragédia pessoal. Era parte de uma raça cujos ancestrais pediram a alienígenas invasores do planeta Krull a capacidade de ver o futuro. Eles receberam, porém, o poder de prever apenas o momento da própria morte. Não pude comprovar tal dom dos ciclopes em buscas sobre mitologia. A trama, contudo, soube explorá-lo de modo memorável e o tópico soa afim à IA da pesquisa noticiada.

Nossa única certeza é que morreremos um dia. Parte do engenho e criatividade humanos pode, talvez, ser atribuída a essa consciência de nosso fim e à aspiração de deixar uma marca para a posteridade. No entanto, há muitos que perseguem a juventude, fazem estudos sobre prolongamento da vida, ou obras de ficção com imortais. O desejo de vida eterna é, todavia, controverso.

Em O Silmarilion, Tolkien destacou que humanos tinham recebido a mortalidade como um dom, pois, ao morrerem, poderiam estar juntos a Iru Ilúvatar, o criador de Arda (a Terra). Em Highlander (1986), a imortalidade ganha peso de maldição, quando os entes queridos dos imortais desaparecerem, deixando-os sós. Há, também, a presença de personagens entediados, buscando sem cessar emoções novas para mitigar a monotonia de viver indefinidamente, como alguns na ficção científica In Time (“O preço do amanhã”, 2011), arriscando-se em territórios pobres para doar seu tempo (ou permitir seu roubo), como uma forma de suicídio.

Dada a angústia existencial associada à nossa finitude e suas implicações, me pergunto quais as vantagens envolvidas no conhecimento prévio do momento de nossa morte. Seríamos mais produtivos, mais focados? Ou, ao contrário, surtaríamos e começaríamos a experimentar tudo que pudéssemos, passando sobre os demais como rolos compressores, atrás de cada segundo de plenitude? Difícil sabê-lo.

Um estudo científico, como o da notícia de 2023, implica, ainda, questões sérias. Por que tanto interesse nesse recurso? Quais os usos da informação? Haveria segregação apoiada na durabilidade e utilidade de certas pessoas em comparação com outras, com no filme Gattaca (1997)? Também caberia considerar aspectos éticos de tais conhecimentos, como a devassa à privacidade individual. Afinal, os dados pessoais precisariam ser alimentados no modelo de IA, para possibilitar as análises e previsões.

São muitos os pontos envolvidos no tema e de diversa natureza. Vivemos tempos maravilhosos, pelas possibilidades oferecidas, e assustadores, pelos usos potenciais de tais conquistas. Somos uma geração de transição entre o que era e o que pode vir a ser. O futuro dirá. Esperemos não ser apenas mais uma estimativa de inteligência artificial.

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Nota da autora: Esta crônica foi publicada, originalmente, em 24/04/2024, no site anterior da Entre Poetas & Poesias. A presente versão foi atualizada.


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2 respostas para “Projeto 16 horas – Edição: Fev.25 – Crônica – “A maldição do ciclope” – Cristina Vergnano”.

  1. Avatar de coutmoni
    coutmoni

    IA… Um mistério a ser desvendado, com muitas possibilidades….

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    1. Avatar de Cristina Vergnano

      Algumas delas, creio eu, bem assustadoras. Esperemos que não seja assim. Abç.

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