Desabafos & DiscussõesLuiza Moura

É senso crítico que nos falta

No meu trabalho diário, como professor dentro de uma das maiores periferias da cidade, encaro diversos desafios. Ouvir uma criança pedir para repetir o lanche porque esse seria sua única refeição, ou detectar mentiras como forma de se sentirem aceitas, são dois deles. Além da escassez de recursos, também lido com frases do tipo “Eu sou muito burra”, “Não gosto de foto, sou feia” ou a timidez que diz isso, sem a necessidade da palavra. Enquanto escrevo na lousa, as ouço conversar sobre quase tudo da internet ou da TV, mas se peço uma redação com 10 linhas sobre o título “A Borboleta” ou sobre “O que é o amor pra você?”, a grande maioria não se dispõe a falar e dizem não terem imaginação para escrever. Isso, para mim, é o mais preocupante.

É claro que nem todo mundo deseja desenvolver essa capacidade de criar histórias ou sinta a facilidade de escrever, mas o motivo disso, é o maior agravante: seguir o senso comum. Quando digo que a aula será uma redação, muitos “torcem o nariz” antes mesmo de saberem o tema, é como se não importasse, pois qualquer um exige um pensamento crítico sobre algo. Na historinha da Borboleta, por exemplo, seria necessário um conflito. Talvez ela perdesse uma das asas ou caísse no puçá do caçador, mas como seria esse desfecho? Pensar, não é sempre um exercício agradável. Como escritor, sei bem o que são as fases de bloqueio criativo, mas esse bloqueio vem justamente numa tentativa de insistir em uma solução. E por isso, chamo isso de “um dos maiores desafios” em sala de aula, porque não somos treinados a desenvolver nosso senso crítico.

As crianças de educação infantil no Brasil, em seus primeiros contatos com a escola, são incentivadas a cobrir a letra “a”, a ligar uma vogal a outra ou a colorir desenhos, mas raramente, são treinadas a pensar em coisas como o respeito, a justiça ou o amor. Seguem a doutrinação recebida em casa por suas famílias, influenciadas por fatores como a religião, a falta ou excesso de recursos, ou pelo entretenimento. Ouço muitas crianças emitirem opiniões com o prólogo “Minha mãe disse…”. De forma despretensiosa pergunto se o papai ou a mamãe leem para eles dormirem ou se conversam sobre as coisas que são ditas na TV. Dentro do contexto que estou inserido, posso afirmar que, 98% respondem que “não”. Por um lado, compreendo, que isso vem de um ciclo interminável de estrutura social, onde muitos pais também não foram incentivados quando crianças, ou enfrentam uma rotina desgastante para manter suas famílias.

No retorno do carnaval, duas crianças discutiam, até que decidiram vir a mim e perguntar: “Tio, o carnaval é de Deus ou do Diabo?”, e eu prontamente – ainda que atônito – respondi: “De nenhum dos dois. É dos homens”. E preciso intervir às vezes, quando ouço uma menina afirmar: “Mulher não pode dirigir ônibus, isso é coisa de homem”, não de forma que obrigue ela a pensar como eu, mas com o intuito de desenvolver o senso crítico, sabendo que essa opinião vem do senso comum. E por que citei a educação infantil? Porque é dela que vem a maioria de nossas bagagens para a vida toda. Na infância, surgem o excesso de dúvidas. Aliás, quem não conhece um tagarela que pergunta de tudo? E alguns desses, são ignorados pela incômoda insistência. O senso crítico só pode ser desenvolvido com o diálogo, a leitura, a informação, a busca por coisas novas, o ouvir com respeito a opinião de outrem e claro, a dúvida. Fatores como, a desestrutura familiar e/ou a precariedade do ensino nas escolas – principalmente, as públicas – agravam esse desenvolvimento.

Outro dia, me deparei com uma jovem enfrentando problemas em seu primeiro emprego. Os chefes não estavam sendo honestos com alguns procedimentos e ela afirmava não sair por “precisar muito daquele dinheiro”. Sugeri que, ela conversasse com sua diretoria e expusesse sua condição, mas a resposta foi: “Eu não tenho jeito para cobrar essas coisas, não saberia me expressar e com certeza sofreria futuras represálias, conhecendo bem meus patrões”. Ela não conseguia entender que estaria apenas reivindicando, e que a empresa se alimentou da ausência de senso crítico dos funcionários. É isso que acontece também nas políticas, em muitas religiões ou em movimentos ativistas, que aparentam informar ou libertar as pessoas de suas cegueiras, mas estão justamente desmontando a capacidade que todos têm de criticar-rever-duvidar.

Em um tempo onde “Fake News” é moda, uma grande massa vem sendo manipulada por essas informações que danificam, e isso nos mostra mais do que nunca, a importância do senso crítico ativo. Essas notícias fluem com facilidade porque pesquisar, comparar ou buscar provas, para formar uma opinião concreta, parece ser algo remoto. Grande parte se acostumou com o mais fácil, ou com o que convém a sua ideologia pessoal.

Falamos de agravantes notórios, como a desigualdade social que resulta em desempregos, fome, falta de moradia, saúde pública precária, preconceitos, mas o não-desenvolvimento do pensamento crítico é sem dúvidas, um dos maiores problemas a serem levados em questão, principalmente na infância. Seria ousadia afirmar ainda que, ele é a raiz. Porque sem criticidade não temos como saber por onde começar a luta. A psicologia afirma que, tudo que foi aprendido pode ser desaprendido, e isso pode ser útil ao fato de ter a oportunidade de nos esvaziar, fechar a tampa, e só abrir após um processo pessoal de questionar o que serve e o que é comum. Fazendo isto, adolescentes conseguem enfrentar o bullying; jovens aceitam o que veem no espelho; pessoas deixam de ser marionetes de sistemas; o respeito se firma onde não tinha alicerce; a culpa não existe onde a primeira opção é analisar; cada um encontra o seu lugar e sabe exatamente o que quer dizer, a gente consegue enxergar o outro com os olhos que queremos sobre nossas próprias limitações, e assumimos quem somos: seres humanos que tem o controle de seus pensamentos e atitudes. E claro, que somos totalmente originais. Encerro meu pensamento, com uma frase de John L. Mason que afirma “Todos nascemos originais, mas a maioria morre cópia”, desejando que você reflita e use seu senso critico sobre tudo que acabou de ler.

Não concorde de primeira, critique.

(Esse texto é de Marcos de Sá, Cearense, 33 anos, escritor de romance contemporâneo, criador do Book Brasil, professor voluntário de língua portuguesa e educação no IKP, instituto situado em uma das maiores periferias de Fortaleza. Autor dos livros: Reciclável e O Baú de Shailo, além de contos e muita coisa aí pela internet. Ama cappuccino, gente de verdade, e a vida. Possível ver mais em: Blog: https://marcosdesa.wordpress.com/; Instagram: https://www.instagram.com/eu_marcosdesa/;Facebook:https://www.facebook.com/oficialmarcosdesa/; E-mail: [email protected])

Participe também dessa coluna! Envie o seu texto (de desabafo ou reflexão) para o email [email protected] ou entre em contato pelo instagram @luiza.moura.ef. A sua voz precisa ser ouvida! Juntos temos mais força! Um grande abraço e sintam-se desde já acolhidos!

Luiza Moura.

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Luiza Moura

Luiza Moura de Souza Azevedo é de Feira de Santana. Enfermeira. Psicanalista e Hipnoterapeuta. Perita Judicial. Mestre em Psicologia e Intervenções em Saúde. Doutora Honoris Causa em Educação. PhD em Saúde Mental - Honoris Causa - IIBMRT - UDSLA (USA); Doutora Honoris Causa em Literatura pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. Possui MBA em gestão de Pessoas e Liderança. Sexóloga; Especialista em Terapia de Casal: Abordagem Psicanalítica. Especialista em Saúde Pública. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Especialista em Perícias Forenses. Especialista em Enfermagem Forense. Compositora e Produtora Fonográfica. Com cursos de Francês e Inglês avançados e Espanhol intermediário. Imortal da Academia de Letras do Brasil/Suíça. Acadêmica do Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires. Membro da Luminescence- Academia Francesa de Artes, letras e Cultura. Membro da Literarte- Associação Internacional de Escritores e Artistas. Publicou os livros: “A pequena Flor-de-Lis, o Beija-flor e o imenso amarElo” e "A Arte de Amar. Instagram: @luiza.moura.ef

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