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Intragável

Um gosto que antes era agridoce na boca, tornou-se acre e insuportável. Clamo por misericórdia, meu Deus, pois o fumo tornou-se, finalmente, intragável!

Fiquei uma semana sem fumar, o que, para mim, é um feito extraordinário. Iniciei no fumo aos dezoito anos de idade e prossigo dessa forma há dois anos ininterruptos. Porém, em virtude de uma causa ou força maior, precisei ficar uma semana sem dar uma tragada. Vou lhes contar, caros leitores, o que aconteceu durante esse meio tempo, o qual chamo de “breve pausa”, pois ainda sou um fumante inveterado que não consegue fugir de sua própria mazela, como se estivesse fadado a ela.

O primeiro dia foi o pior. Uma ansiedade se desenvolvia em meu interior a cada minuto sem o maldito cigarro. Ela chegava com os dois pés na porta do meu pulmão, pedindo “por favor” e “pelo amor de Deus” que eu fumasse só um pouquinho. Ela me atormentou durante todo esse dia e jamais a esquecerei, pois foi um evento traumático – e é para todo fumante que deseja ou já tentou parar de fumar. Contudo, apesar da voz interior que me azucrinava para que fumasse, resisti bravamente e bradei contra ela que “Não!”.

Posteriormente, com o passar do tempo, foi dando uma suavizada. O sentimento traumático de abstinência passou, por um curto tempo, e fiquei mais tranquilo. Já não me importava mais com fumo. Contudo, se visse alguém na rua fumando, fugia daquela pessoa desesperadamente, porque a ansiedade, provocadora petulante, voltava para dentro de mim e ficava me seduzindo para que tragasse uma única vez. Ocupava-me, na maior parte do tempo, com leitura, o que reduzia consideravelmente o desejo proibido que cultivei aos dezoito anos e os frutos podres que dele estou colhendo no momento.  

Passaram-se os dias de força maior e no último dia, quando já estava liberado para dar uns traguinhos, eu fumei. No entanto, senti um gosto acre na boca, de cinzas e queimado, como se um crematório estivesse se antecipando no céu da boca e por esta toda. Era um sabor péssimo, horrível, que vinha junto com a fumaça do cigarro de palha, diferente do que eu sentia antes dessa pausa. O cigarro que tanto traguei, e trago infelizmente até hoje, tornou-se, de fato, intragável para mim – apesar de prosseguir com essa mania até o momento.


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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

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