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Coisas

Você já teve a sensação de que, às vezes, as coisas, parece, se recusam deliberadamente a fazerem o que esperamos delas? Há ocasiões, não sei se contigo é assim, em que eu percebo nitidamente uma indisciplina e uma rebeldia orquestradas dos objetos e aparelhos que me cercam. Uma vez, tentei escrever um verso que fervia na ponta da língua com três canetas diferentes, todas boas, todas novas, e todas se recusaram a passar para o papel o que o cérebro gritava desesperado para os dedos, antes que o esquecimento levasse pra sempre a poesia embora.  

Tirarei da lista de réus nessa insurreição silenciosa as impressoras, porque essas, já dizia uma pessoa muito amada, dão quase tantos problemas quanto pessoas. Ou o contrário, já não lembro, e elas nem são tão silenciosas assim. O resto, não escapa um. Os lápis que quebram a ponta no meio do parágrafo ou da conta são insubordinados contumazes e há muito tempo. E os sabonetes, que escorregam da mão no meio do banho, o interruptor de mau humor e mau contato que não acende o raio da luz, a chave eletrônica que não abre o portão justo no dia das compras, o interfone que não toca na portaria se é o que a gente mais precisa naquele momento, o guarda-chuva que não abre quando o temporal começa…

Não, só pode ser uma revolução, um golpe, um levante.

As descargas sanitárias são deploráveis e, às vezes, deixam de funcionar, de caso pensado, nos momentos mais dramáticos. Para não beirar a escatologia, não citarei aqui o papel higiênico, que falta ao trabalho naquela hora terrível. Nem o chuveiro elétrico que para de funcionar, você já passou por isso, no dia mais frio do ano, e volta, do nada, no dia seguinte, a todo vapor, no maior calorão.

Não relacionarei aqui os problemas automobilísticos que só dão quando estamos só nos dois, eu e o carro. Diante do mecânico, o veículo funciona maravilhosamente, a ponto de o profissional dar-lhe tapinhas no capô como elogio. Nessa hora, já até percebi um sorriso cínico do diabo do carro.

Além de fazerem greve, com piquete e tudo, às vezes, as coisas simplesmente, somem, abandonam o emprego sem dar explicações. Obviamente o sumiço dá-se naquela hora em que são mais necessárias, fundamentais. Cadê o pregador? Onde se escondeu a chave? Que fim levou a caixa de fósforos? Alguém sabe me dizer onde está o controle remoto?

As coisas trocam de lugar, escondem-se em frestas impenetráveis, camuflam-se atrás de uma almofada, param de funcionar, automutilam-se e escangalham de forma coordenada, ensaiada, planejada, sem darem sinal de desgaste. Tudo, claro, para me deixar maluco, intento que estão conseguindo alcançar, como vocês já devem ter percebido.

Por essas e outras acho, sim, que antes da IA, os objetos já se moviam por conta própria e, nas minhas costas, têm conspirado contra mim, como os brinquedos do Toy Story, desde tempos imemoriais. Tudo é parte de um plano muito bem elaborado e executado, por anos e anos a fio. Ou a pilha. Ou a corda.

Tem acontecido isso com vocês?


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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

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