Sempre fui chorão. Só que disfarçava, e ninguém dava conta. Usava a desculpa da alergia, um mal que carrego desde o berço e que todos os que me cercam conhecem. No teatro, se a peça me emocionava, o que normalmente acontecia, mandava, calhorda: “Esse carpete acaba comigo!”. Se uma lágrima furtiva teimava em escapar do olho, durante um filme, justificava pra companhia, enquanto coçava a vista: “Ambiente fechado é fogo, deve estar cheio de ácaro.”
Outro dia, tive de ficar, enquanto todos saíam do teatro, mais uns cinco minutos sentado, para me refazer, após “(um) Ensaio sobre a cegueira”, do grupo Galpão. O pior é que o espetáculo acaba na rua, todos devem sair junto com a incrível trupe de artistas mineiros, com sua fanfarra contagiante. Eu precisava me recompor, enxugar os olhos, assoar o nariz, esperar que a alma voltasse lá de onde ela estava pra me levantar.
Nas ocasiões especiais, casamentos, aniversários, comemorações, Natal, Ano Novo, choro pra dentro, a lembrar do que me levou àqueles momentos. Quando conheci o aniversariante, o parto da filha que agora casa, o momento exato em que entrei na empresa e assinei contrato, aquele último Natal da minha mãe, o dia em que ela foi embora…
Lembro de ter chorado copiosamente ouvindo no carro a fita pirata (procura no google!) do disco Uns, do Caetano. O que me aconteceu, também, com o Acabou chorare, o Paratodos, o Circense do Egberto Gismonti, o Samambaia, do César Camargo…. Quando vi o Gil entrar no palco do Canecão, pra tocar desplugado as suas canções, quase tive um troço, pensei que fosse morrer desidratado.
Filmes e peças de teatro tocam-me profundamente. O escurinho, o ar condicionado, o silêncio, a comunhão dos presentes, tudo contribui pra me derrubar. Acho que não estou sozinho nessa. Lembro-me de As lágrimas amargas de Petra Von Kant, em que, uma senhora no fim da apresentação, levantou-se, célere, como quem vai acudir uma pessoa em perigo, e acariciou, soluçando, os cabelos da Fernanda Montenegro, que terminava a peça deitada no proscênio, com a cabeça quase pra fora do palco. Ela nos representou ali a todos, que aplaudíamos abafado por causa dos lenços e dos papéis toalha que usávamos para secar o choro caudaloso que a peça nos provocara em catarse.
Hoje, vou sozinho ao teatro e ao cinema, o que me faz liberar as lágrimas sem muita inibição. Não dou piti, nem fico soluçando e fungando, como já vi e ouvi muita gente fazer, mas choro desbragadamente nas peças e nos filmes a que assisto, sem culpa e sem alergia. Assim como, também, passo por espetáculos incólume, sem que isso queira dizer que não tenha gostado deles.
O que me leva ao choro? Fico pensando. Talvez não tenha chorado o suficiente na infância. Talvez tenha me segurado em situações que exigiam choro convulsivo. Acho que fiquei com esse manancial hídrico estocado a vida inteira. Hoje vou liberando em pequenas quantidades as lágrimas que retive, como o prisioneiro que cava um túnel pra fugir da cela e depois tem que despejar a areia que saiu do buraco, disfarçadamente pelo pátio, durante o banho de sol.
Se me encontrar por aí, numa rua dessas de Copacabana, fone no ouvido, com os olhos marejados, não me recomende um antialérgico: dê-me um abraço solidário ou me empreste uma palavra de aconchego; devo estar ouvindo um audiolivro intenso, uma canção da Fátima Guedes ou um episódio mais dramático do Rádio Novelo Apresenta.
O choro, agora, é livre.


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