Paro meu barquinho na imensidão do rio que está diante de mim. Jogo meu anzol e fico à espera de que os peixes mordam a isca. É assim que, algumas vezes, pesco as ideias e as palavras de que preciso para escrever a crônica semanal no editor de texto, com sua folha em branco, que me encara desafiadora.
Algumas vezes a pesca resulta em coisa boa, mas, quase sempre, o que me impulsiona a escrever e me fornece a crônica inteirinha é a rua, é a praia, o supermercado, o ponto de ônibus, a estação de trem ou do metrô. Dali surgem os episódios que conto ou que me levam a refletir sobre a vida, sobre as pessoas e sobre mim mesmo.
Há ocasiões em que a cena testemunhada ou a conversa ouvida é tão impactante que começo a produzir a crônica na mesma hora, oralmente, repetindo em voz alta, palavra por palavra, o que a rua me dita, até chegar em casa e despejar no word a experiência completa.
Em seguida, deixo o que chegou assim de supetão esfriar e vou fazer outra coisa. Algum tempo depois – meia-hora, dois dias, uma semana – retomo o que entornei na página virtual e começo a fazer o que que mais gosto: escrever, que, pra mim, é cortar, substituir, diminuir, enxugar, trocar de ordem, refazer. A inspiração soprada por anônimos, na rua, dá lugar ao lavor, até que chegue o prazo de entregar a crônica, o que quase nunca coincide com a minha satisfação.
Já reescrevi textos pouco antes de entregá-los à edição. Muitas vezes, acompanho a crônica até o último minuto, alisando o vestido, escovando seus cabelos, revisando a maquiagem, dando os últimos retoques antes que ela se lance na passarela da revista para o jugo dos leitores. Da coxia, como um estilista em noite de estreia da nova coleção, finjo a empáfia que não tenho. O que me domina, mesmo, é a tensão. Temo os apupos que a minha criação possa receber mais do que espero os aplausos que, às vezes, sucedem sua entrada em cena.
Com esta não será diferente.


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